Título: Medo da guerrilha dita voto ruralista na Colômbia
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2010, Política, p. A11

De 1997 a 2002, um emissário das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) fez visitas periódicas a uma das grandes empresas de carne de frango da Colômbia. A sede da Pollo Andino fica em Gorgonzola, bairro industrial de Bogotá. E era lá que o enviado da maior e mais antiga guerrilha da América Latina apanhava um pacote de dinheiro a título de pagamento do chamado imposto da guerra, cobrança que as Farc impuseram por anos a empresas que tinham negócios em zonas controladas pela guerrilha.

Depois de dois mandatos do presidente Álvaro Uribe, que impôs medidas duras na área da segurança, o agronegócio colombiano tem hoje uma rotina de relativa normalidade. O setor foi o mais exposto às ações dos grupos armados, que sempre centraram suas ações e influência no campo.

E, por medo de um retrocesso, os empresários do campo prometem votar maciçamente no candidato do governo, o ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos. Ele lidera com 40 pontos as pesquisas para o segundo turno da eleição presidencial, com a promessa de continuar batendo duramente na guerrilha - o que agrada em particular aqueles que se sentiram mais acuados por guerrilheiros de esquerda e paramilitares de direita.

"Antes de Uribe, o jogo era aquele, não adiantava muito recorrer à polícia. Amigos meus já estavam pagando para as Farc. Eu recebia chamadas por telefone durante a semana, no sábado, no domingo, quando estava com minha família, e os guerrilheiros diziam que, se eu não pagasse, iam atentar contra minhas granjas, contra meus carros, contra mim", lembra Rigoberto Ovalle Pinzón, de 55 anos, um dos três sócios fundadores da Pollo Andino. Em 1997, a empresa pagou 40 milhões de pesos (0,5% de seu faturamento), em quatro parcelas.

O "imposto", como muitos empresários contam, foi criado pelo decreto 001 das Farc e exigia que as empresas pagassem o equivalente a até 1% de seus ganhos.

A Pollo Andino foi criada em 1980 e hoje tem mais de 70 granjas e faturamento de 105 bilhões de pesos por ano (cerca de R$ 91 milhões), o 11º maior do setor avícola do país. Assim com ela, muitas companhias colombianas do agronegócio foram forçadas a conviver por anos com extorsão, roubo de carga, assassinatos e sequestros perpetrados pelas Farc e por outros grupos armados ilegais.

Numa sala de reuniões no terceiro andar da empresa, onde conversou com o Valor, Pinzón lembra que às vezes, no lugar do emissário, um comandante da Frente 22 das Farc, que se apresentava como Hugo, exigia que um funcionário da Pollo levasse o pagamento num vilarejo nas montanhas. Mas, mesmo pagando, a maioria dos empresários do agronegócio, como Pinzón, passou a gerir seus interesses à distância. "Não podíamos voltar para o campo."

Em 2003, um ano após a eleição de Uribe, o interlocutor das Farc encarregado de extorquir a Pollo Andino foi morto pelo Exército. Meses depois, seu substituto também desapareceu. "Comecei a ver resultados. Os soldados estavam matando, a política de Uribe estava dando certo. Em 2003, voltei a viajar para as granjas." Na semana passada, conta, ele visitou Rovira, no Estado de Tolima, um povoado que foi por muito tempo comandado pela guerrilha.

Para representantes de outro setor do agronegócio, a pecuária, o deslocamento de tropas do Exército para as estradas e os ataques contra bastiões da guerrilha também contribuíram para a normalização das atividades e o aumento da produção. "Entre as políticas de Uribe, a que mais beneficiou os pecuaristas foi a da Seguridad Democrática", diz Maria Fernanda Cabal, presidente da Fundação Pecuarista Colombiana (Fundagan).

O impacto da violência no campo colombiano não tem medições precisas. Mas um indicador, segundo Cabal, foi o aumento na produção de leite no país, que saiu de 4,5 bilhões de litros por ano, em 2002, para os atuais 6 bilhões.

"Os pecuaristas apoiam maciçamente Santos. Têm medo de que com [Antanas] Mockus haja uma volta atrás", diz ela, referindo-se ao ex-prefeito de Bogotá que chegou a aparecer nas pesquisas como favorito no segundo turno. Mockus defende uma política de segurança que respeite a lei e evite os episódios de violação de direitos civis que rondaram Uribe. Isso foi interpretada por alguns segmentos como sinal de que suavizaria o combate à guerrilha. "Santos tem um programa mais estruturado e com menos ambivalências", resume o presidente executivo da Federação Nacional dos Avicultores da Colômbia (Fenavi), Jorge Enrique Bedoya Vizcaya. "A guerrilha está debilitada, mas ainda está viva", completa o dono da Pollo Andino.