Título: O efeito bumerangue da crise global nos bancos
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Fonte: Valor Econômico, 16/06/2010, Opinião, p. A12
A crise internacional que assola o planeta começou no setor imobiliário americano, em 2007, e atingiu os bancos. A situação exigiu a rápida e generosa intervenção dos governos na forma de injeção de recursos no mercado e resgate de empresas e bancos. As operações de salvamento fragilizaram as finanças públicas, desencadeando a crise fiscal que, agora, ameaça atingir novamente os bancos. Não é à toa que se compara a virtual quebra da Grécia ao colapso do americano Lehman Brothers, pelo potencial de detonar nova debacle.
A dívida pública subiu em várias partes do mundo, principalmente em consequência da crise. Alguns países, como a Grécia, já flertavam com o perigo antes dela. É crescente o receio de que alguns deles, especialmente da zona do euro, não consigam pagar suas dívidas e tenham que dar calote ou renegociá-las.
O déficit fiscal da Grécia subiu 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008 para 13,6% em 2009; na Espanha, também quase dobrou no mesmo período, de 4,1% para 11,2% do PIB; em Portugal, triplicou de 2,8% para 9,4%. A dívida pública também deu grandes saltos. Na Grécia passou de 99,2% para 115,1% do PIB entre 2008 e 2009; na Espanha, subiu de 39,7% para 53,2%; e em Portugal saiu de 66,3% para 76,8%.
Os títulos desses países estão em sua maioria na carteira dos bancos, pondo em risco a solvência do sistema financeiro. Não é por outro motivo que o Banco Central Europeu (BCE) se dispôs a comprar títulos da dívida soberana de governos da região para irrigar o mercado, cuja liquidez está cada vez mais restrita.
A dívida privada também tira o sono dos banqueiros. De acordo com dados do Escritório Estatístico das Comunidades Europeias (Eurostat), em 2008, a dívida das famílias e das empresas atingiu 255% do PIB em Portugal; 220% na Espanha; 159% na França; 138% na Itália; 130% na Grécia. Somente em crédito imobiliário os bancos espanhóis possuem um estoque de ¿ 445 bilhões, dos quais pouco mais de um terço são considerados problemáticos.
A exposição dos bancos à dívida privada e pública dos países da zona do euro mais vulneráveis - Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal - totalizava cerca de US$ 2,5 trilhões no fim de 2009, de acordo com o Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), o banco central dos bancos centrais, sediado na Basileia, Suíça. Os bancos europeus concentram 62% dessa dívida, sendo que os franceses e alemães têm sozinhos quase US$ 1 trilhão em carteira.
Se os bancos, que mal voltaram a ficar sobre seus próprios pés, enfrentarem novos problemas de solvência por causa das dívidas soberana e privada, a crise se realimentará de um modo perverso.
Diante da situação ainda instável, as autoridades financeiras capitaneadas pelo BIS devem impor regras mais severas de capitalização, alavancagem e operação aos bancos, que muito provavelmente terão que se desfazer dos negócios com carteira proprietária de investimento, em que aplicam seu próprio capital.
De acordo com estimativas feitas pela associação mundial dos bancos, o International Institute of Finance (IIF), as exigências do BIS obrigarão o setor financeiro a reforçar seus fundos em pouco mais de US$ 6 trilhões em um prazo de cinco anos, sendo US$ 700 bilhões em capital e o restante em títulos de dívida de longo prazo.
Os bancos consideram muito exíguo o prazo de ajuste e já estão pedindo mudanças, especialmente mais tempo para enquadrarem-se. A situação instável na zona do euro, com ameaça de calote e aperto no interbancário, reforça a posição dos bancos.
Em reunião realizada na semana passada, o IIF usou mão pesada e alertou que as novas regras do BIS reduzirão o crescimento econômico em três pontos percentuais nos próximos cinco anos na zona do euro, Estados Unidos e Japão; e quase 10 milhões de empregos deixarão de ser criados.
No total, o impacto será de quase US$ 2 trilhões. A região mais atingida, de acordo com as simulações do IIF, será a zona do euro, cujo PIB perderá 4,3% nos próximos cinco anos, o equivalente a US$ 920 bilhões. Nos Estados Unidos, a perda será de 2,6%, equivalente a US$ 950 bilhões; e no Japão, de 1,9% ou US$ 130 bilhões. Foi como falar de corda na casa de enforcado.