Título: O próximo teste para o G-20
Autor: Pisani-Ferry , Jean
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2010, Opinião, p. A15

Os encontros do G-20 neste mês - primeiro em Busan, na Coreia do Sul, na reunião dos ministros das Finanças e mais tarde, ainda neste mês, em Toronto, reunindo chefes de governo -, assinalam o momento em que os principais atores na economia mundial trocam de marcha: em vez de estímulo orçamentário, passam a conter gastos. Nem todos estão de acordo sobre isso.

Antes da reunião em Busan, o secretário do Tesouro dos EUA, Tim Geithner, advertiu contra "uma inciativa generalizada e indiferenciada de planos de consolidação (fiscal)" e enfatizou a necessidade de "avançar em rítmo equivalente ao do fortalecimento da recuperação do setor privado". Mas os outros ministros das Finanças não compartilharam as advertências de Geithner. Em vez disso, enfatizaram a "importância da sustentabilidade das finanças públicas" e a necessidade de "medidas para assegurar a sustentabilidade fiscal". Evaporou a ênfase em "estratégias de saída" cautelosas e progressivas; a busca de reequilíbrio ficou quase imperceptível no comunicado após a reunião.

Essa mudança afeta, primordialmente, a Europa. Pouco antes da reunião em Busan, os países da Europa meridional anunciaram grandes esforços de consolidação na esperança de acalmar os mercados de dívida. Logo depois disso, o primeiro-ministro britânico David Cameron anunciou "anos de sofrimento à frente", a chanceler alemã Angela Merkel delineou um plano de cortes de gastos de US$ 100 bilhões e o primeiro-ministro francês François Fillon apresentou um plano semelhante, prevendo cortes de US$ 80 bilhões.

Os países desenvolvidos enfrentam uma situação orçamentária preocupante, com déficits de, em média, 9% do PIB em 2009 e a perspectiva de que a taxa de endividamento público cresça de aproximadamente 70% do PIB, antes da crise, para mais de 100% do PIB em 2015. Segundo cálculos do FMI, para atingir uma taxa de endividamento de 60% em 2030, seria necessário um ajustamento orçamentário de, em média, quase nove pontos percentuais do PIB entre 2010 e 2020. Embora, no passado, alguns países tenham empreendido ajustes de magnitude similar, uma consolidação generalizada desse tipo não tem precedentes.

Até que ponto será doloroso o ajuste? No passado, alguns países puseram em prática consolidações indolores porque a implementação de um programa de redução de gastos foi acompanhada por uma queda nas taxas de juro de longo prazo, por uma diminuição da poupança privada ou por um aumento nas exportações graças à depreciação da taxa de câmbio. Hoje as condições são caracterizadas por taxas de juros baixas e endividamento privado elevado, de modo que nenhuma das alternativas citadas têm chance de funcionar, exceto, possivelmente, quanto a efeitos de mudanças no câmbio. Com efeito, na Europa a depreciação já começou e muitos observadores consideram a queda do euro, de US$ 1,5 dólar no final de 2009 para US$ 1,2 dólar nos últimos dias, suficiente para compensar, no curto prazo, o impacto negativo da contenção de gastos sobre o crescimento.

Felizmente, a situação das finanças públicas é completamente diferente no mundo em desenvolvimento, que em alguns casos foi impactado por reversões no fluxo de capital decorrentes do colapso do comércio mundial, mas não enfrentam problemas de ajuste interno. Embora expansões aceleradas de crédito doméstico possam vir a se constituir em ameaça no futuro, os bancos de mercados emergentes permaneceram, em sua maioria, imunes às consequências da crise financeira. Assim, setores domésticos não financeiros não estão diante de uma perspectiva de desalavancagem.

E mais importante: as dificuldades fiscais, para essas economias, são de magnitude muito menor do que no mundo desenvolvido; na verdade, elas mal existem. Os pontos de partida são uma proporção de dívida pública em relação ao PIB da ordem de 40% e um déficit orçamentário médio que, como proporção do PIB, é de quatro pontos percentuais a menos do que no mundo desenvolvido. Contra o pano de fundo de um potencial de crescimento muito mais rápido, um esforço apenas mínimo será necessário para manter a taxa de endividamento em torno de 40%.

Então, e se a Europa e os EUA entrarem, ambos, numa fase de ajuste orçamentário, enquanto o mundo emergente mantiver o curso? E se a divergência entre o Norte e o Sul no âmbito do G-20 crescer ainda mais? Quatro consequências são prováveis.

Primeiro, haverá um esfriamento significativo no crescimento mundial. Seja lá o que o mundo emergente faça para sustentar a demanda interna e reorientar as exportações com destino aos países avançados para outros países emergentes, os elefantes europeu e americano (para não mencionar o Japão) são grandes demais para que sua doença não produza nenhum efeito sobre o crescimento mundial.

Em segundo lugar, o diferencial de crescimento entre países emergentes e países avançados se alargará, o que intensificará os fluxos de capital e de mão de obra qualificada para o mundo em desenvolvimento. Em terceiro lugar, os países avançados necessitarão apoio monetário, o que implicará políticas de taxas de juros baixas, ao passo que as necessidades monetárias em países emergentes e em desenvolvimento serão diferentes. Isso pressionará e provocará rachaduras em esquemas de câmbio fixo, pois uma mesma política monetária não pode ser adequada para ambas as regiões.

Finalmente, em vez de administrar desafios compartilhados, como em 2009, o G-20 terá de administrar sua divergência. Isso será um grande teste de resistência para uma instituição que demonstrou eficácia na crise, mas ainda tem que passar no teste criado por essa nova fase da economia mundial. A Cúpula de Toronto proporcionará a primeira oportunidade para avaliar a capacidade do G-20 de adaptar-se às novas condições.

Jean Pisani-Ferry é um membro do Conselho Francês de Análise Econômica. Copyright: Project Syndicate, 2010.