Título: Dívida bruta preocupa parte dos economistas
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2010, Brasil, p. A3
De São Paulo
O comportamento da dívida bruta do governo passou ao centro das atenções de alguns analistas no ano passado. Indicador que não desconta os créditos do país, como as reservas internacionais, ele passou a crescer com mais força por causa de dois fenômenos: os empréstimos concedidos pelo Tesouro ao BNDES e a própria acumulação de reservas. Em 2009, a dívida bruta terminou o ano equivalente a 62,8% do Produto Interno Bruto (PIB), acima dos 57,9% do fim de 2008. O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, projeta 63,7% do PIB no fim deste ano.
Tradicionalmente, os analistas olhavam com mais cuidado a dívida líquida. Com a elevação do superávit primário e o maior crescimento da economia em 2010, a dívida líquida deve cair de 42,8% do PIB em dezembro de 2009 para a casa de 41% do PIB, mesmo com os juros em alta. A questão é que os empréstimos do Tesouro ao BNDES não aparecem nessa conta. Se de um lado o Tesouro aumenta a sua dívida, de outro fica com um crédito de igual valor.
Salto critica primeiro o que considera falta de transparência nessas operações, vendo um artifício para expandir o crédito público sem prejudicar as contas fiscais, pois ele não aparece na dívida líquida. "Os créditos ao BNDES têm como contrapartida o aumento do endividamento em títulos do Tesouro, fugindo do orçamento." Para Salto, os volumes emprestados ao BNDES também são altos: foram R$ 22,5 bilhões em 2008, R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões em 2010. Ele diz não ver necessidade para a operação num momento em que a economia cresce com força e o Banco Central iniciou um ciclo de alta de juros.
Em abril deste ano, a dívida bruta caiu para 60,6% do PIB, devido ao crescimento mais forte e à redução das operações compromissadas (em que o BC vende títulos públicos ao mercado, com compromisso de recomprá-los no futuro) - esse um efeito de curto prazo da elevação dos depósitos compulsórios dos bancos, segundo Salto. Até o fim do ano, ele espera nova alta do indicador. Salto não vê problema de solvência, mas diz que o país deve tomar cuidado para não sofrer no futuro. Hoje, as comparações internacionais favorecem o Brasil, como mostra o déficit nominal. "Mas é preciso voltar a mirar a direção correta, antes que os riscos iminentes transformem-se em custos concretos."
Nelson Marconi, da FGV e da PUC-SP, diz que, se os empréstimos do BNDES forem bem feitos, trata-se de uma maneira de estimular o investimento. "Há um subsídio aí, mas o aumento do gasto corrente é bem pior." (SL)