Título: Crescimento que traz riscos
Autor: Pires, Luciano; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2010, Economia, p. 17

Dados positivos forçam o Banco Central a rever de 5,8% para 7,3% o salto do PIB brasileiro em 2010. Mas avanço segue à sombra da elevação de preços e do fraco investimento

Carlos Hamilton, do BC: ¿A revisão veio com base nos resultados¿

Acostumada a crescer pouco ao longo das últimas décadas, a economia brasileira vai experimentar neste ano a expansão mais vigorosa já registrada oficialmente desde 1986. Os resultados recordes do primeiro trimestre do ano obrigaram o Banco Central (BC) a revisar para cima sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. Relatório Trimestral de Inflação divulgado ontem aponta para um salto de 7,3%, índice bem superior aos 5,8% estimados em março pela autoridade monetária. O cenário projetado para o segundo semestre, no entanto, indica que o país crescerá à sombra da inflação.

Todos os setores, conforme as análises do BC, vão chegar em dezembro ostentando marcas expressivas na comparação com 2009. Entre os principais motores produtivos, o que alcançará os melhores resultados será a indústria, justamente o segmento mais abalado pela crise internacional. O banco refez as contas e agora aposta em um salto de 11,6% das fábricas, contra 8,3% calculados no relatório anterior. Do lado da demanda, o que mais vai puxar a locomotiva é o consumo das famílias.

Suporte Se o país tivesse parado no fim de março, o boom acumulado por si só seria suficiente para garantir um crescimento de 6% no PIB. O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo, disse que a revisão foi a mais agressiva feita entre um trimestre e outro. ¿A revisão veio com base nos resultados que foram apresentados. Indica que a economia está vivendo um momento bastante positivo¿, justificou. Segundo ele, o crédito e o avanço do mercado de trabalho darão suporte ao fortalecimento da economia nos próximos meses.

Apesar de todas as indicações otimistas, os baixos níveis de poupança e de investimento preocupam. Evaldo Alves, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), explicou que os dados apresentados devem ser recebidos com alguma cautela. ¿O deficit público e a infraestrutura ruim são amarras ao crescimento. Sem poupança e com baixo investimento, isso não se sustenta¿, disse. Projeções apontam que o deficit externo saltará de US$ 28 bilhões em 2009 para US$ 100 bilhões em 2011. Boa parte desse movimento de capital é classificada como especulativa, o que agrava ainda mais a dependência dos recursos estrangeiros.

BC teme alta da renda

O Banco Central (BC) projeta para este ano uma taxa de desemprego de 7% que, se confirmada, será a mais baixa da série histórica apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o acesso de mais pessoas ao mercado de trabalho formal, o BC volta seus olhos para o comportamento da massa salarial. Os dois componentes ¿ emprego e massa salarial ¿ pressionam a alta da inflação.

No relatório trimestral apresentado ontem, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, advertiu que o endividamento das famílias cresce de forma equilibrada, com estabilidade do nível de comprometimento da renda. Para isso, contribuem, segundo ele, a ampliação dos prazos de pagamento dos empréstimos e também o descolamento da dívida de segmentos mais caros para os mais baratos, como o crédito consignado e o financiamento para a casa própria.

O consumo das famílias, de acordo com as informações do BC, já se encontra no mesmo nível de antes da crise internacional ¿ o equivalente a 9,3% do Produto Interno Bruto (PIB). A massa salarial ampliada, que incorpora os rendimentos advindos do trabalho mais os benefícios previdenciários e os provenientes dos programas de proteção do governo, apresentou um crescimento médio real de 5,6% ao ano no último quinquênio encerrado em 2009. O crescimento real acumulado desde 2003, segundo o diretor do BC, foi de 27,8%.

Dinheiro no bolso De forma inédita, o BC apresentou dentro do relatório trimestral de inflação um novo indicador de renda, que exclui da massa salarial ampliada os impostos e a contribuição previdenciária, sendo, portanto, uma espécie de recurso líquido disponível para o gasto dos trabalhadores. O componente, batizado de massa salarial ampliada disponível, apresentou um crescimento anual médio de 5,4%. Esse indicador apresenta um incremento menor que o da massa salarial ampliada porque, no período, aumentaram em 6,8% os recolhimentos relativos ao Imposto de Renda e às contribuições previdenciárias.

Contrastando com o perfil conservador, as projeções de crescimento feitas pelo BC superaram até mesmo as elaboradas pelo Ministério da Fazenda. Com base em dados do primeiro trimestre de 2010, que registrou um salto de 9% em relação ao mesmo período do ano anterior, a equipe do ministro Guido Mantega estimou um ganho do PIB de 2010 da ordem de 6,5% ¿ a penúltima projeção indicava alta de 5,5% para o PIB. No estudo que analisou o comportamento da economia, o BC destacou que há um ¿novo ciclo de expansão¿ e que ¿a demanda interna permanece como elemento propulsor do ritmo de crescimento econômico¿. Para a autoridade monetária, essa perspectiva positiva encontra respaldo nos indicadores que medem a confiança do empresariado e dos consumidores, no mercado de trabalho e nos ganhos salariais.

Para Bernardo Wjuniski, analista da consultoria Tendências, os dados indicam que o BC rendeu-se à realidade, incorporando às suas pesquisas informações da economia real que configuram o bom momento vivido pelo Brasil. ¿O Banco Central convergiu para o que o mercado já previa¿, afirmou. Segundo o especialista, o setor de serviços e a indústria vão crescer muito neste ano, o que, para ele, não chega a surpreender. Wjuniski ressaltou que, em certa medida, o relatório de inflação do BC deixa transparecer que a retomada da trajetória de alta dos juros por parte do Comitê de Política Monetária (Copom) teve efeito. ¿No fundo, o documento tenta justificar o aperto, dando a entender que o crescimento é fruto exatamente das medidas adotadas pelo BC.¿ (VC e LP)

Vendas de bebidas O comércio de bebidas respondeu pelo maior crescimento entre os itens dos supermercados brasileiros nos quatro primeiros meses do ano, tendência que deve ser mantida daqui por diante. Segundo a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), as vendas de bebidas alcoólicas saltaram 15,7% em comparação com igual período de 2009. A elevação nas bebidas foi de 19,2%.