Título: Juro real não segura a atividade
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2010, Finanças, p. C1

O juro real do Brasil encerrará 2010 no patamar de 4,4%, confirmando recorde de baixa na história do país. Essa taxa é resultado da combinação da Selic efetiva observada no primeiro semestre do ano e a projeção de Selic a 12% em dezembro, descontada a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano, estimada em 5,5%.

"Quatro reuniões do Copom já ocorreram neste ano. Faltam quatro. Considerando que o comitê historicamente não altera a Selic em dezembro e também pode parar os ajustes em outubro, como espera o mercado, o calendário fica estreito para produzir aumentos relevantes no custo efetivo do dinheiro que leva em conta apenas dias úteis. Isso faz diferença", afirma Antenor Ramos Leão, consultor de investimentos da Coinvalores Corretora.

Ele explica que para uma Selic nominal de 12% em dezembro, o custo efetivo correspondente é de 10,17%, considerando a Selic acumulada no primeiro semestre somada às projeções até dezembro. Para Selic de 13% em dezembro, o custo efetivo é 10,32%. "Portanto, o juro real só subirá a novo patamar, caso a inflação leve um tombo, o que parece improvável", comenta.

Juro real de um dígito pelo terceiro ano consecutivo, mas em meio à forte pressão inflacionária, ajuda a alimentar a expectativa de que o aperto monetário pode se estender ao início de 2011. Analistas insistem que o juro real é baixo para conter o ímpeto da atividade e que o juro "neutro" , o que não inibe a atividade e mantém a inflação na linha, é bem superior, em torno de 7% acima da inflação.

"Se o juro efetivo é mais baixo que o juro de equilíbrio ou "neutro", ele exerce impulso monetário e estimula a economia. Neste momento de atividade forte e pressão de demanda, o mínimo que o juro efetivo deve fazer é neutralizar este efeito", explica Zeina Latif, economista-chefe do ING Americas.

Ela estima que o juro "neutro" no Brasil ronda 6% ao ano e acredita que pode ser declinante, considerando os avanços obtidos pelo país em diversas frentes.

"Nos últimos anos tivemos avanços em termos de credibilidade do Banco Central, menor volatilidade da inflação e da taxa de câmbio e maior previsibilidade macroeconômica. Isso indica que o juro de equilíbrio pode ser mais baixo e decrescente. O juro "neutro" é, hoje, certamente menor do que no início do governo Lula", diz. Tatiana Pinheiro, economista do Banco Santander, calcula que a Selic deve fechar o ano em 12,75%, com o ciclo de alta da Selic sendo concluído em janeiro, quando a taxa avançaria mais 0,25 ponto percentual, para 13% ao ano.

"Levamos em conta que o juro "neutro" no Brasil é cerca de 7% acima da inflação. Logo, trazer a inflação para a meta de 4,5% exige um ajuste de juro que não pode ser "neutro". Deve ser um pouco superior", explica Tatiana.

O economista e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, comenta que o juro real que anula o chamado hiato do produto (que reduz o Produto Interno Bruto para um patamar de crescimento econômico sem inflação) está próximo de 7% ao ano. "Atualmente, todas as medidas da taxa real situam-se abaixo desta estimativa de taxa "neutra". Na recuperação da crise a taxa real teve que ser colocada abaixo da "neutra", e para retirar as pressões da inflação de demanda que existe atualmente ela terá que ser colocada por algum tempo acima da neutra. É esta mudança na política monetária, ao lado da elevação dos superávits primários em 2011, que deverá conduzir à redução da taxa de crescimento do PIB".

Pastore acredita que a política monetária será a principal indutora do desaquecimento econômico e da inflexão da taxa de inflação que deve se manter acima do centro da meta neste no próximo ano. Pastore avalia que o crescimento do PIB em 2010 deve atingir 7,7% e espera desaceleração.

"Apesar da alta do juro e do superávit primário, a taxa de inflação cairá muito gradualmente, atingindo 5,8% ao final de 2010 e 5,2% ao final de 2011, significativamente acima da meta de 4,5%. Essa trajetória requer a elevação da Selic para 12,75% ao ano em 2010, atingindo 13,25% ao final de 2011, o que juntamente com a volta do superávit primário para 3% do PIB no ano que vem deverá levar o crescimento do PIB a 4,3%", calcula.

Embora em queda e abaixo do ponto de equilíbrio, o juro real no Brasil ainda lidera o ranking de juros reais de 40 países selecionados pelos economistas Jason Vieira e Thiago Davino.

Vieira, analista de mercado da Corretora Cruzeiro do Sul, mostra que o Brasil lidera o ranking com juro real projetado de 5,2% para os próximos 12 meses, em distância considerável do segundo colocado, a China com juro real de 2,4%.

O elenco de 40 países avaliados pelos economistas é emblemático sobre as consequências da crise financeira internacional que levou ao afrouxamento da política monetária e a políticas de estímulos fiscais . Dos 40 países, 26 apresentam juro real negativo.