Título: Fronteira desguarnecida agrava violência urbana
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2010, Política, p. A10

De Brasília

O Brasil possui uma estrutura policial "diminuta" nas regiões de fronteira, facilitando a entrada de armas e drogas ilegais, "dois dos principais combustíveis da violência urbana". A avaliação foi feita pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI) do Ministério do Planejamento e constava do Portal do Planejamento, retirado da Internet na última sexta-feira por conter críticas a políticas públicas do governo Lula.

O policiamento das fronteiras do país é uma atribuição da União, por meio da Polícia Federal. O documento elaborado pela SPI, no entanto, vai além ao afirmar que o quadro de insegurança pública predominante no Brasil é retratado pela carência de policiais em todos os níveis de governo e pelo papel, "cada vez mais relevante", da segurança privada.

Segundo o Plano Nacional de Segurança Pública, há cerca de 1,5 milhão de agentes privados de segurança no país, o dobro do total de policiais militares, civis e militares, além de bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais. "Isso sugere que, na prática, o direito à segurança não é universal, vetando-se, inclusive, o princípio democrático do monopólio estatal da força e ilustrando mais uma forma de desigualdade regida pelas condições socioeconômicas dos indivíduos e pela precariedade da oferta de serviços públicos", diz o documento da SPI.

Os técnicos dizem que, para combater a violência, será necessária uma "revisão completa" do modelo policial brasileiro. Eles sugerem a integração dos ciclos de operação das polícias (judiciária-investigativa e ostensiva-preventiva) e a melhora contínua das condições de trabalho dos policiais, que recebem "baixos salários", possuem "qualificação inadequada", realizam "bicos" nos momentos de folga e vivem sob alto nível de estresse.

A SPI elogia o Pronasci, programa lançado no segundo mandato do presidente Lula com o objetivo de valorizar os policiais, reestruturar o sistema penitenciário e combater a violência. Apesar disso, a secretaria afirma que o programa "não mobiliza os suportes material e simbólico" necessários à criação de uma nova identidade social em espaços vulneráveis, como as favelas. Em todo o estudo, destaca-se a preocupação com a estigmatização das comunidades onde vivem populações de baixa renda. "Na realidade brasileira, o principal mecanismo de reprodução da violência é a segregação socioeconômica dos espaços urbanos", diz o documento.

O acesso à Justiça é visto pela SPI como uma condição para a superação da violência "sistêmica". O estudo assinala que o Estado está mais aparelhado para condenar do que para realizar a defesa pública. No Estado de São Paulo, há 1,8 mil juízes e 1,7 mil promotores, mas apenas 400 defensores públicos. Em média, há um defensor para cada 400 presos, sendo que são quatro promotores para cada defensor.

O documento acusa, ainda, o sistema judiciário de operar sob a lógica da criminalização da população mais vulnerável, "não considerando as desigualdades materiais e simbólicas às quais" ela está submetida. Sessenta por cento dos egressos do sistema prisional, por exemplo, têm idade entre 18 e 29 anos, 8% são analfabetos, 44% possuem o fundamental incompleto e 99% não têm a escolaridade média completa.