Título: Cúpulas partidárias impõem-se nos Estados
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2010, Política, p. A9

A ausência da regra da verticalização nas eleições deste ano - que obriga a reprodução fiel da aliança nacional nos Estados - não impediu os diretórios nacionais dos partidos a atropelarem o desejo das bases estaduais e tomarem medidas de força para fazer valer o interesse eleitoral da cúpula partidária. O método do PT espalhou-se pelos aliados, mas nem o próprio PT nem as cópias reproduziram os debates e as votações que, no partido dos trabalhadores, precediam a imposição das decisões.

O próprio PT enquadrou os diretórios mineiro e maranhense em nome da decisão de privilegiar a política nacional de aliança com o PMDB. O PMDB nacional impediu os catarinenses de apoiarem Raimundo Colombo (DEM), rompendo uma aliança histórica no Estado. O partido terá candidato próprio a ser definido na convenção estadual do próximo sábado, 26.

Em represália, o DEM nacional vai proibir o diretório maranhense de apoiar Roseana Sarney à reeleição ao governo local - Roseana chegou a ser candidata a presidente pelo antigo PFL em 2002. Os demistas também alegam que, se os correligionários do Maranhão mantiverem o apoio à atual governadora, estarão no mesmo palanque da presidenciável Dilma Rousseff.

Já o PSDB, em busca do apoio do PP paranaense à candidatura do ex-prefeito de Beto Richa ao governo do Paraná, vetou a candidatura do deputado Gustavo Fruet para o Senado, deixando livre a entrada do também deputado Ricardo Barros (PP) na coligação. "Eles me tiraram com o aval do presidente nacional Sérgio Guerra (PSDB-PE). Se a estratégia der errado e tiverem de voltar atrás, será ridículo, não serei bucha de canhão", reclamou Fruet.

As imposições das decisões da cúpula estão sendo feitas, inclusive, com discussão ríspida e ameaças, principalmente no PMDB.

Para o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), a estrutura política brasileira acaba por repetir a relação entre a União e os Estados - em ambos os casos, o conceito de Federação é fictício. "Na relação administrativa, os Estados são reféns dos recursos da União. Nos partidos, as questões estaduais ficam reféns do projeto nacional".

Madeira disse que essa situação reforça a fragilidade de nossas instituições públicas. "As instituições precisam funcionar a despeito das pessoas que estão no comando delas. No Brasil, o desejo individual vale mais", disse ele. O deputado tucano afirmou que o cenário poderá piorar ainda mais se for aprovada a reforma política com o voto em lista fechada. "O voto em lista fechada só vai perpetuar o controle da cúpula sobre a base partidária. Só o voto distrital quebrará esse nó, pois dará mais força às lideranças políticas locais", acredita Madeira.

Uma das vítimas recentes do centralismo do PT, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) lembra que o poder das cúpulas partidárias está previsto na Constituição Federal. "Lá foi colocado que os partidos têm caráter nacional. O problema é que estão desvirtuando essa regra", afirmou Dino.

O deputado, que diz ser um dos principais diretores da "Associação dos atropelados pelo presidente Lula" afirmou que as cúpulas partidárias estão desrespeitando os próprios estatutos para atender a interesses políticos. "A intervenção só se justifica se os diretórios estaduais descumprirem regras internas. Estão intervindo mesmo quando os filiados fazem tudo dentro da lei".

Ele cita o caso do Maranhão. O estatuto do PT autoriza que os diretórios estaduais façam prévias para tomar suas decisões. O PT do Maranhão decidiu apoiar a candidatura de Flávio Dino ao governo estadual mas, pressionado pelo presidente Lula, o PT nacional obrigou os maranhenses a apoiar Roseana. O mesmo diretório nacional sepultou os interesses do PT mineiro em ter candidato próprio, obrigando a legenda a apoiar o pemedebista Hélio Costa. "É cada vez mais centralismo e cada vez menos democrático", analisou ele. E não há coerência nos princípios: A cúpula do PT determinou a retirada da candidatura em Minas em favor do PMDB, embora alí tenha havido prévias e escolha de um candidato pela base partidária. Em Santa Catarina, a cúpula do PMDB determinou que o partido tenha candidato e não faça coligação justamente porque houve prévia e disputa interna, vencendo a tese da candidatura própria.

Dino, que já foi presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), defende que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deveria intervir. "Não estamos falando de uma decisão interna corporis dos partidos. Estamos diante de um cerceamento do direito de voto dos eleitores", completou.

O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) admite que a estrutura atual é obsoleta, mas não vê com muito otimismo o futuro. Apesar de alguns projetos recentes de iniciativa popular terem virado lei - é o caso do Ficha Limpa - Aleluia reconhece que questões como segurança e economia ainda preocupam mais os eleitores. "Além disso, essas regras teriam que ser alteradas por um Congresso que se beneficia diretamente delas", completou.