Título: Jorge Picciani mantém vivo o chaguismo
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Fonte: Valor Econômico, 25/06/2010, Especial, p. A14
Sucessor do governador Sérgio Cabral (PMDB), na Presidência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB) virou o centro de pendenga entre os Palácios da Guanabara e do Planalto, na definição do palanque fluminense de outubro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá demonstrações de simpatia pela candidatura à reeleição do senador Marcelo Crivella (PRB), enquanto Cabral fechou com Picciani. O que se disputa agora é por quem Lula vai pedir votos. Penhorado pelo maior pacote de obras federais que seu Estado recebeu nas últimas décadas, o governador decidiu comprar briga por seu principal articulador político.
Foi Picciani quem ajudou Cabral a conter o êxodo de prefeitos, deputados estaduais e vereadores depois do rompimento entre Cabral e o ex-governador Anthony Garotinho (PR). É o presidente da Assembleia também quem está por trás das alianças com os 12 partidos que darão sustentação à candidatura de Cabral à reeleição - PDT, PSDB, PRP, PSB, PCdoB e PP.
Ricardo Ismael, cientista político da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, o considera uma reedição de Chagas Freitas, governador fluminense da década de 1970 que fez carreira com um pé no apoio do funcionalismo público e outro na distribuição de benesses à micropolítica ."Ele tem o domínio da máquina do Estado e não gosta de aparecer muito. Trabalha mais nos bastidores, mas Cabral tem grande dívida com ele", diz.
Ricardo Ismael lembra que Picciani já abriu mão na última eleição de concorrer em favor do atual senador Francisco Dornelles (PP). A união ajudou Dornelles a vencer a candidata Jandira Feghali (PCdoB), que liderava as pesquisas. O maior percentual da votação veio do interior do Estado. "Picciani se assemelha às lideranças antigas do MDB, como Chagas Freitas", analisa Ismael.
Aos 55 anos, vinte dos quais dedicados à política, Picciani tem um patrimônio pessoal de R$ 7,7 milhões. Ex-fiscal de renda da Receita federal, Picciani iniciou-se na agropecuária ainda nos anos 1980. A família da mulher, Márcia, já tinha negócios agropecuários, o que facilitou o início de suas atividades na área rural, incluindo plantação de café.
Hoje Picciani é também um dos maiores criadores de gado nelore e gir do país. O grupo Monte Verde, do qual é dono, possui três fazendas de gado em Minas Gerais e no Mato Grosso. O grupo foi o primeiro a leiloar um clone de matriz nelore no país.
Em 2003, técnicos do Ministério Público do Trabalho (MPT) flagraram trabalho escravo em uma de suas fazendas no Mato Grosso. Picciani culpou os empreiteiros contratados, mas fez um acordo com o MPT e pagou uma multa de R$ 250 mil. Não houve ação na Justiça. Por conta desta autuação e de uma outra discussão com a Receita Federal sobre sonegação, o Ministério Público Estadual moveu, em 2006, ação para impugnar a candidatura e cassar o mandato do presidente da Assembleia Legislativa. O processo está no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) porque o Ministério Público recorreu, depois que Picciani ganhou no colegiado do TRE.
Em sua defesa, Picciani diz que o processo com o Ministério Público foi resolvido e a discussão com a Receita federal ainda está em curso. Sua assessoria informa que a multa inicial foi de R$ 1,5 milhão e que agora está em apenas R$ 4 mil porque ele teria conseguido comprovar parte de sua declaração. Mesmo assim, não vai pagar a multa e vai discutir até enquanto houver recurso, já que, para o deputado, não houve sonegação.
Na semana passada, durante a inauguração da ThyssenKruppCSA - Companhia do Atlântico Sul, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, Cabral fez questão de elogiar em seu discurso o empenho do presidente da Assembleia Legislativa, que, segundo ele, brigou pela aprovação da isenção de impostos da siderúrgica, tornando assim viável sua implantação. Foi o único parlamentar citado pelo governador em um evento de que participavam o presidente Lula e o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).
Entre os prefeitos, Picciani é conhecido pelo empenho com que cumpre a palavra empenhada. O deputado federal Eduardo Cunha, principal pilar do presidente do partido, Michel Temer, no Estado é outro aliado de Picciani. "Ele vai lutar pelos nossos interesses no Senado, junto ao governo federal", afirma.
No lobby pró-Picciani, Cabral lança mão do argumento de que o deputado estadual será seu aliado para ajudar a garantir as verbas necessárias às obras que sustentarão as reformas necessárias para os jogos da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio.
No Estado, é difícil achar algum político que o critique. Desafeto no início da campanha, o ex-prefeito Lindberg Farias (PT-RJ), ex-líder dos cara-pintadas que ajudaram a derrubar o então presidente Fernando Collor em 1992, agora prefere não falar mais sobre a briga que teve com Picciani. A mudança de postura ocorreu depois que foi selado o acordo para a formação de uma única chapa dos dois para o Senado Federal. Antes disso, chegaram a ter uma briga por meio da imprensa. Foi Lindberg quem revelou que Lula preferia Crivella. Depois acusou Picciani de divulgar aos jornais que o ex-prefeito estava sendo investigado pelo Ministério Público Estadual por conta de contratos que seriam irregulares durante sua gestão em Nova Iguaçu. Hoje o discurso é diferente. "É melhor não mexer mais nisso. A relação está boa", repete o ex-prefeito sempre que é questionado.
Jorge Picciani está em seu quinto mandato e há 13 anos dirige a Alerj. Nos primeiros sete anos, como primeiro secretário enquanto Cabral era o presidente, e nos últimos sete, presidindo a Casa. O longo período como articulador de votações deu a Picciani um livre trânsito entre prefeitos e políticos do Estado, tanto da situação como da oposição. Segundo ele próprio afirma, "até os prefeitos que não são do PMDB estão do meu lado". Um deles, Zito, prefeito de Duque de Caxias e presidente do PSDB no Rio faz largos elogios ao deputado num vídeo postado no Youtube em outubro de 2009.
Para fazer frente aos fiéis da Igreja Universal arrebanhados por Crivella, Picciani negocia apoios com outras igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus dos Últimos Dias. O seu pastor, Marcos Pereira, é conhecido por ter trânsito livre nas comunidades mais violentas do Rio, a ponto de já ter salvo mais de 500 pessoas (segundo seu relato) do tribunal do tráfico. Marcos Pereira também já interveio em rebeliões em presídios com sucesso.
Enquanto recebia a reportagem do Valor, Picciani recebeu a ligação do pastor Marcos Almeida, que o convidava para ir a um baile funk, onde entra de madrugada e começa a cantar músicas em louvor a Deus com seu grupo, do qual participa o ex-cantor de pagode Waguinho do grupo Os Morenos. O ex-pagodeiro agora é pastor e cantor gospel da igreja e também planeja se candidatar ao Senado. Picciani diz que não há concorrência, já que são duas vagas nesta eleição.
Para Picciani, Crivella já está isolado politicamente porque não tem apoio dos grandes partidos do Estado e também não vai conseguir guarida na chapa de Garotinho, cuja candidatura ainda enfrenta os novos percalços trazidos pela Ficha Limpa, que tornou inelegível quem tiver condenações confirmadas por mais de uma instância da justiça.
O candidato ao Senado do PR também é um bispo, o deputado Manoel Ferreira, só que da Assembleia de Deus. Apesar da opinião do presidente da Assembleia Fluminense, Crivella não é um candidato a ser descartado. Já concorreu a três eleições em cargos majoritários e tem, diariamente, um programa na TV, no início da tarde. Ele entra no ar logo após o apresentador e também deputado estadual Wagner Montes (PDT-RJ). Wagner repassa a audiência nos mesmos níveis da TV Globo neste horário, 14 pontos em média e picos de até 18 pontos. Na última pesquisa do Ibope, divulgada no início deste mês, Crivella tinha 40%, Cesar Maia (DEM), 37%, Lindberg, 13% e Picciani (PMDB), 10%.
Picciani diz que é a eleição "ainda não esquentou". Ele conta com a capilaridade de sua base. "Vou ter meu número em vários santinhos no Estado, de deputados estaduais e federais", informa. Além disso, conta que é católico e tem bom trânsito com padres e bispos. Recentemente esteve com Dom Orani, arcebispo do Rio, numa missa em Vila Kennedy, subúrbio da zona Oeste da cidade . "Sou católico, todos sabem disso. Mas tenho força entre os evangélicos e os espíritas", conta.
Com a rede política que costurou ao longo das suas duas décadas de política, elegeu seu filho Leonardo Picciani (PMDB), sem qualquer experiência prévia na política, deputado federal. Apesar de iniciante, Leonardo foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pirataria e também relatou o projeto de lei 3337/2004 que cria um marco regulatório para as agências reguladoras. Já no segundo mandato, Leonardo assumiu a presidência da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Em 2009, veio para a Secretaria Estadual de Habitação. A indicação de Leonardo causou ciúmes na bancada do PT do Rio que protestou junto a Cabral. Isto porque o setor é um dos mais beneficiados com recursos do PAC e a entrega de moradias tem um grande apelo junto à população carente. Só no Complexo do Alemão, os investimentos são de R$ 832,9 milhões para obras de moradias, saneamento e equipamentos sociais. Mais de 30 mil famílias serão beneficiadas pelo empreendimento que deve ser concluído ainda este ano.
Leonardo Picciani não entregará a obra porque voltou à Câmara dos Deputados para concorrer ao terceiro mandato nas próximas eleições, mas, com certeza, estará na cerimônia.
O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) diz que Picciani é muito hábil e um adversário forte porque tem nas mãos a máquina do governo. Luiz Paulo faz elogios à gestão de Picciani na Alerj e conta, entre outras coisas, que ele criou a escola de legislatura para funcionários e parlamentares. No entanto, afirma que Picciani tem usado a máquina para fazer campanha quando, junto com Cabral, inaugura obras na capital e no interior. "Mas isto quem tem que fiscalizar é o TRE".
Luiz Paulo já enfrentou a força política de Picciani quando era candidato a vice-prefeito na chapa de Fernando Gabeira (PV-RJ) nas eleições de 2008. O candidato do PV à prefeitura estava na frente de Eduardo Paes no segundo turno. Convocado para ajudar na campanha, Picciani conta que fez trabalho de formiguinha. Foi às comunidades e entrou em contato com pastores evangélicos. "Antes de votar, o evangélico vai à igreja ouvir o pastor". Segundo Picciani, gravações de Gabeira defendendo as prostitutas foram mostradas nos cultos. "Precisamos usar destas táticas para vencer a eleição". A internet também virou arma na campanha, com e-mails atacando o adversário.
Picciani diz no entanto, que o veneno também já atingiu seus correligionários na mesma eleição. "Meu candidato a prefeito em Duque de Caxias, Washington Reis (PMDB-RJ), ao participar de um debate na rádio com a candidata Leninha (P-SOL-RJ), fez declarações infelizes, que lembravam racismo", lembra. "Zito mandou colocar carros de som rodando a cidade com a fala de Washington Reis no dia da eleição. Não deu outra".