Título: Não há lugar seguro para dinheiro sujo
Autor: Lagarde, Christine; Okonjo-Iwe, Ngozi
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2010, Opinião, p. A15

A crise financeira serviu para mostrar que atualmente há pouca tolerância para pessoas que trapaceiam

Em tempos difíceis como estes, um princípio deveria receber a mesma notoriedade de temas de grande destaque no noticiário, como os déficits elevados e os pacotes de austeridade. Esse princípio pode ser sintetizado em poucas palavras: "Todos devem obedecer as regras".

A crise financeira global serviu para demonstrar que atualmente há pouca tolerância para pessoas que trapaceiam. Além disso, desde o começo da crise, os países do G-20 - tendo França e EUA como forças motrizes - têm pressionado por melhor regulamentação, governança, prestação de contas e transparência. Não há lugares seguros para evasão fiscal. Não há lugares seguros para lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, e não há lugares seguros para "regulamentação financeira cômoda".

Esses princípios são evidentemente o que as pessoas no mundo desenvolvido querem ver aplicados. Em tempos difíceis como os atuais, o dinheiro importa.

Para o mundo em desenvolvimento, porém, há uma outra dimensão para a frase "obedecer às regras". As pessoas lá querem dar um fim aos lugares seguros que permitem a autoridades corruptas roubar dinheiro público e ocultá-lo no exterior. Então poderíamos acrescentar: não há lugares seguros para receitas oriundas da corrupção.

Do lado tributário, houve claro progresso. A França impôs aos seus bancos uma sólida transparência e exigências de informações para atividades bancárias em paraísos fiscais, além da norma internacional para troca de informações.

Outros países demonstraram liderança no assédio a companhias que pagam suborno e propinas a autoridades estrangeiras. Mas recuperar os bilhões de dólares roubados por autoridades e líderes corruptos no mundo em desenvolvimento por enquanto provou ser um processo demorado. O Grupo do Banco Mundial, junto com a Agência da ONU para Drogas e Crime, está atuando na iniciativa Stolen Asset Recovery (StAR, acrônimo para recuperação de ativos roubados) para ir no encalço de lucros oriundos de corrupção e para ajudar a estimular ações destinadas a recuperar ativos pilhados dos seus legítimos proprietários: o povo no país em desenvolvimento afetado.

França, Reino Unido, Austrália, Suécia, Noruega e Suíça juntas apoiam essa agenda urgente, e concordam que a impunidade para esse tipo de crime global não pode mais ser tolerada. Abuso de autoridade pública para obter lucro particular não é aceitável.

Esses temas, que incluem paraísos fiscais, recursos pilhados, suborno e corrupção estão no ponto de conexão da necessidade urgente de promover abertura e transparência nas transações financeiras, e de assegurar prestação de contas no nível global. Agora é a hora de tomar impulso e apresentar resultados duradouros.

A corrupção - sob qualquer forma ou circunstância - é um câncer que mutila países desenvolvidos e em desenvolvimento na mesma medida. Ela mina o crescimento econômico. É um crime que gera consequências particularmente danosas no mundo em desenvolvimento.

Segundo estimativas conservadoras, a cada ano cerca de US$ 20 bilhões a US$ 40 bilhões são roubados dos países em desenvolvimento por meio de suborno, malversação de recursos e práticas corruptas. As oportunidades perdidas são enormes. No mundo em desenvolvimento, US$ 20 bilhões poderiam financiar 48 mil quilômetros de estradas asfaltadas de pista dupla, ou proporcionar tratamento a 120 milhões de pessoas com HIV/AIDS por um ano inteiro.

O sucesso é possível. A Suíça repatriou US$ 684 milhões do dinheiro do ex-presidente Ferdinando Marcos às Filipinas e US$ 700 milhões dos recursos do general Sani Abacha à Nigéria, e, junto com outros países, devolveu ao Peru mais de US$ 180 milhões roubados pelo ex-funcionário do governo Vladimiro Montesinos.

Assim, à medida que os líderes mundiais se reúnem no G-20 e em outros fóruns nas próximas semanas para discutir a crise econômica, planos de incentivo, regulamentação financeira e desenvolvimento, o combate à corrupção deve permanecer uma parte integral da agenda multilateral. Mas nem todos os países do G-20 ratificaram a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (UNCAC na sigla em inglês), que oferece uma estrutura para países desenvolverem suas próprias leis para erradicar o uso de refúgios seguros para criminosos que roubam do mundo em desenvolvimento.

O G-20 apelou para uma ação mais contundente contra a corrupção. Países que ainda não assinaram a convenção devem fazê-lo rapidamente. Os países que já assinaram e ratificaram o UNCAC agora precisam implementá-lo.

As instituições financeiras não devem fazer negócios com jurisdições não cooperadoras - regiões que não obedecem as regras. A sociedade civil deve incitar à ação, transparência e prestação de contas. Combater a corrupção é vital, não somente porque é a coisa certa de se fazer, mas porque não fazê-lo nos afeta a todos.

Atualmente vivemos num mundo diferente onde os países em desenvolvimento são uma fonte fundamental de crescimento, além de serem importadores de bens de capital e serviços dos países em desenvolvimento. Quando a corrupção afeta parceiros com esse nível de influência, afeta você também.