Título: Distritais livres na campanha
Autor: Medeiros, Luísa
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2010, Cidades, p. 33

Como o Correio antecipou, a Mesa Diretora da Câmara decidiu reduzir o expediente dos deputados para um dia na semana, até outubro. Em cada sessão, ganharão R$ 3 mil, quase o mesmo que o salário de um médico ou professor da rede pública do DF

Quando voltarem do recesso, em 2 de agosto, os deputados distritais votarão projetos no plenário da nova Câmara Legislativa apenas uma vez por semana: às terças-feiras. Os outros dois dias que, em tese, são destinados à votação ¿ quartas e quintas-feiras ¿ serão ocupados com a agenda da campanha eleitoral de cada um. Conforme o Correio adiantou na segunda-feira, a Mesa Diretora confirmou ontem a redução do expediente da Casa durante os meses que antecedem as eleições de outubro. Apesar das críticas recebidas pela população, a Mesa aprovou, por unanimidade, a mudança no ritmo de trabalho parlamentar no segundo semestre.

Com a decisão, os distritais terão que assinar a folha de ponto da sessão ordinária apenas quatro vezes por mês para não terem o salário descontado com as faltas previstas. Um deputado recebe quase R$ 12,4 mil. Se dividida a quantia pelos dias estimados de trabalho em plenário, o valor será um pouco menor que os salários iniciais de um médico ou de um professor da rede pública do Distrito Federal (veja quadro). Ou seja, num raciocínio linear, o distrital receberá R$ 3 mil para cada vez que apreciar projetos na Câmara Legislativa. E terá tempo de sobra para conquistar os votos dos eleitores nas ruas.

O presidente da Casa, Wilson Lima (PR), explicou que a determinação da Mesa Diretora de ¿concentrar esforços em um dia¿ otimizará o tempo do parlamentar ¿em prol da população¿ durante o período de campanha eleitoral. ¿Não queremos atrasar a apreciação dos projetos, prejudicar a população, nem atrapalhar o trabalho do servidor (da Câmara). Teremos que votar créditos do Executivo e outras propostas importantes no segundo semestre. Mas houve consenso para reunir os deputados (nas sessões de votação) só nas terças-feiras. Se necessário for, votaremos nas quartas e nas quintas-feiras¿, argumentou ele.

O distrital, que já está em campanha pela reeleição do cargo ¿ apesar de especialistas apostarem que o fato de Lima não ter se desincompatibilizado do cargo de governador interino, em abril passado, poderá render a impugnação do registro da sua candidatura ¿, ressaltou que ¿não adianta enrolar a população e dizer que os deputados vão comparecer às sessões nos três dias previstos no regimento interno da Casa¿. ¿A população é sábia. O deputado tem que ser realista e botar o pé no chão. Mentir para a imprensa também não é o meu papel. Brasília espera que cada um (deputado) cumpra o seu compromisso e não falte ao plenário às terças-feiras¿, afirmou Lima.

O vice-presidente da Câmara, Cabo Patrício (PT), endossa os argumentos do colega da Mesa. ¿O fato de trabalhar terça ou quarta-feira no plenário não é determinante. Tem muitas sessões em que não se vota nada. De que adianta o deputado gastar tempo fazendo discursos vazios, demagógicos? A atividade parlamentar não é só ficar na tribuna. Tem trabalho em comissão, audiência pública, em reuniões externas. Estou disposto a debater com qualquer parlamentar que defenda a sessão na quarta ou na quinta-feira, mas vamos tirar as máscaras¿, alfinetou Patrício.

No primeiro semestre legislativo, foram aprovados 50 projetos em plenário, mas há 839 em tramitação na Casa. O quorum baixo foi constante nas sessões ordinárias. Milton Barbosa (PSDB), um dos distritais que mais reclamou das ausências dos colegas, não quis comentar ontem a decisão da Mesa Diretora, da qual faz parte. Os outros integrantes da Mesa, Raimundo Ribeiro (PSDB) e Batista das Cooperativas (PRP), não retornaram as ligações do Correio até o fechamento desta edição.

Olho nas urnas Dos 24 distritais, 17 tentarão a reeleição e quatro disputarão uma vaga na Câmara dos Deputados. Raad Massouh (DEM), que vai tentar um novo mandato, é contra a decisão da Mesa Diretora. Para ele, os deputados têm obrigação de comparecer todos os dias na Casa ¿porque são funcionários públicos¿. ¿Não podemos usar o tempo e o salário para fazer campanha. Cada um tem um ponto de vista diferente, isso não é demagogia¿, disse. Perguntado o que faria se chegasse à sessão e não encontrasse os colegas, Massouh respondeu: ¿Se não tiver ninguém, não vou ficar preso na minha casa¿.

Na opinião de José Antônio Reguffe (PDT), a Câmara não pode parar por causa das eleições. ¿Temos que continuar trabalhando. Reconheço que o trabalho do parlamentar não se resume ao plenário, mas os deputados têm a obrigação de comparecer no dia de votação¿, disse. Eliana Pedrosa (DEM) também concorda com a manutenção do expediente normal. ¿Na eleição passada, a Casa funcionou normalmente. Acho que dá para manter o ritmo sem dificuldades. É claro que sacrifica um pouco o trabalho com o eleitorado¿, analisou. A partir de agosto, os distritais ocuparão a sede nova da Câmara, no Setor de Indústrias Gráficas.

Vigão ocupa vaga de Eurides O empresário Wigberto Tartuce, o Vigão, tomou posse como deputado distrital na Câmara Legislativa ontem. Ele é o segundo suplente da vaga do PMDB que foi aberta com a cassação de Eurides Brito por quebra de decoro, no mês passado. Ela foi acusada de ter cometido os crimes de formação de quadrilha, lesão ao erário e improbidade administrativa. No primeiro ano da legislatura, a vaga foi ocupada por Pedro Passos, que renunciou quando foi citado em denúncias de irregularidades com obras quando foi secretário de Agricultura. Vigão, que já foi distrital, ficou marcado pelas denúncias de desvios de dinheiro público na época em que foi secretário de Trabalho.

Você sabia que, de acordo com o artigo 98 da Lei nº 9.504/97, os eleitores nomeados para serem mesários serão dispensados do serviço, sem prejuízo do salário, pelo dobro dos dias de convocação?

Prédio luxuoso

A nova sede da Câmara tem área de 48,3mil metros quadrados

O prédio antigo tem 11mil metros quadrados

O valor final da obra foi R$106 milhões

Cada gabinete terá 95 metros quadrados, área maior que muitos apartamentos

Compare

Salário de um deputado: R$ 12,4 mil

Professor com ensino superior: R$ 3.720

Médico da rede pública (20 horas semanais): R$ 3.700

Análise da notícia Escárnio com o nosso dinheiro

Já em ritmo de campanha eleitoral, os distritais aprovaram a redução do expediente deles pelos próximos três meses. Como a maioria tenta a reeleição ou uma vaga na Câmara dos Deputados, terão tempo de sobra para sair à caça dos eleitores. Afinal, trabalharão apenas um dia por semana, segundo decisão tomada ontem pela Mesa Diretora. E ganharão mais de R$ 3 mil para bater o ponto apenas às terças-feiras. Receberão por dia o que um eleitor que vive de salário mínimo leva seis meses para ganhar.

Em média, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o brasiliense tem que trabalhar 30 dias para ganhar R$ 2.113, menos do que os distritais receberão em um só dia. Em uma única sessão, os ditos representantes do povo ganharão mais do que 95% das famílias brasileiras recebem ao longo de um mês inteiro.

Os distritais, que no primeiro semestre trabalharam muito pouco e ficaram imersos em uma enxurrada de denúncias de corrupção (que atingiu boa parte deles), não precisarão fazer esforço para ter o salário de R$ 12,4 mil no bolso no fim do mês ¿ fora a polpuda verba de gabinete. Os argumentos de que deputado não trabalha apenas no plenário não valem. Nada pode justificar apenas um dia de labuta por semana.

Ainda mais quando, no restante do tempo, a esmagadora maioria dará as costas para os interesses imediatos da população, voltando suas baterias apenas para a caça aos votos. Enquanto isso, projetos que possam interessar à sociedade serão deixados em segundo plano. Em primeiro plano mesmo, só os interesses pessoais/eleitorais de quem é pago para representar a população.