Título: Como resgatar só os bancos bons
Autor: Farmer , Roger
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2010, Opinião, p. A13
Como devem ser tratadas as falhas sistêmicas em larga escala do sistema financeiro de um país? Ninguém quer resgatar bancos que tomam decisões ruins. Mas salvar um sistema financeiro do colapso requer evitar que todos os bancos quebrem ao mesmo tempo. Precisamos encontrar um jeito de resgatar bons bancos, mas permitir que os ruins quebrem. Mas como podemos distinguir uns dos outros?
Quando os mercados entram em pânico, como ocorreu em 1929 e novamente em 2008, é essencial apoiar o sistema financeiro. A alternativa seria uma depressão no estilo da década de 1930. Mas isso não significa que devamos salvar bancos individuais.
A história econômica recente está repleta de exemplos de crises financeiras: os Estados Unidos no fim da década de 1980; Suécia, Finlândia e Noruega, em 1992; Japão, em 1998; e grande parte da economia do mundo, em 2008. A forma como essas crises foram tratadas oferecem lições importantes.
Em 1992, o banco central sueco, o Riksbank, permitiu que acionistas de bancos privados fossem aniquilados, mas resgatou correntistas e credores por meio da compra de ativos de risco de instituições falidas. A Suécia se recuperou.
Em 1998, o Japão recapitalizou seus bancos sem aniquilar acionistas. Os bancos insolventes foram mantidos vivos por meio de salvamentos e garantias governamentais - o Japão forneceu os incentivos errados às suas instituições financeiras e jamais se recuperou plenamente da sua recessão.
Portanto, a lição é que devemos permitir que acionistas percam dinheiro algumas vezes para mantermos um sistema financeiro vigoroso.
Um papel importante dos bancos centrais é fornecer caixa a bancos potencialmente insolventes em épocas de pânico, quando todas as demais fontes de capital secam. O banco central é o "emprestador de última instância". Mas se os executivos de bancos souberem que serão resgatados em tempos adversos, terão um estímulo para conceder empréstimos arriscados. Esses empréstimos rendem um retorno elevado para os bancos quando a economia está robusta, mas são protegidos de perdas por resgates governamentais quando a economia se debilita.
Em 2007, Lehman Brothers, AIG e a maioria dos demais participantes nos mercados financeiros estavam lucrando enormes retornos negociando derivativos lastreados em hipotecas de altíssimo risco. Quando os preços das moradias nos EUA caíram, alguns desses participantes deveriam ter falido. Mas quando o banco central dos EUA permitiu ao Lehman Brothers falir em setembro de 2008, houve pânico generalizado, levando o banco central a intervir para evitar a quebra de todos os demais grandes participantes. Como poderia essa situação ter sido administrada de forma diferente?
Conforme sugere Simon Johnson no seu livro "13 Bankers" (13 Banqueiros), deveríamos fragmentar os megabancos em partes menores que possam tranquilamente receber permissão para quebrar. Mas não basta ter muitos bancos pequenos. Precisamos também encontrar uma forma de apoiar o sistema como um todo.
Eu proponho uma nova solução de política, que apoiaria o todo, mas não as partes. Os bancos centrais devem estipular um piso para o valor do sistema bancário do país, comprometendo-se a comprar ações de um fundo de índices de papéis a um preço predeterminado. Esse compromisso de preço entraria em vigor em tempos de pânico financeiro. Ao garantir a compra das ações de um fundo mútuo, o banco central proporcionaria um incentivo para os investidores privados canalizarem dinheiro às partes mais sólidas do sistema bancário, permitindo, ao mesmo tempo, que as partes mais frágeis quebrem.
O fundo de índices seria semelhante aos detidos atualmente por um grande número de trabalhadores em planos de pensão privados. A importância dos bancos individuais cresceria ou cairia com base no seu valor em relação ao índice de mercado de todos os bancos no fundo. Ao oferecer comprar ações no fundo mútuo a um preço mínimo prefixado, o banco central proporcionaria uma forma de canalizar fundos no sistema financeiro em tempos de crise. Embora esse plano possa escorar o valor do sistema financeiro como um todo, ainda poderia permitir que as forças do mercado determinassem os preços relativos das ações de bancos individuais.
Se essa estrutura existisse nos EUA em 2008, quando os preços das moradias desabaram, os bancos que detinham vastas carteiras de ativos tóxicos com baixo desempenho teriam começado a arrastar para baixo o valor do fundo de índices. Mas esses bancos também teriam caído em importância no índice total. O compromisso do banco central em comprar ações do fundo mútuo a um preço predeterminado teria levado os investidores a colocar capital novo nos bancos mais sólidos para tirar proveito do apoio conferido pelo banco central ao preço.
Esse programa para recapitalizar bancos tem três vantagens em relação a outros que foram sugeridos por economistas e políticos. Primeiro, ele não requer que os órgãos reguladores decidam quanto valem os ativos individuais, pois os mercados privados estipulam o valor dos ativos tóxicos.
Segundo, ele retira o incentivo para os bancos tomarem decisões ruins. Ao permitir que os bancos ruins quebrem, ele resolve o problema do risco moral.
Finalmente, ao se oferecer a comprar ações de um fundo mútuo de papéis de bancos, o banco central concede aos investidores privados o incentivo e a confiança necessários para recapitalizar o sistema bancário. Esse plano nos permitiria salvar os bancos bons e permitir que os ruins quebrem - sem custar um centavo ao contribuinte.
Roger E. A. Farmer é professor de Economia na UCLA e autor de dois livros sobre a crise econômica global: "How the Economy Works: Confidence, Crashes" e "Self-Fulfilling Prophecies and Expectations, Employment, and Prices" Copyright: Project Syndicate, 2010.