Título: Meirelles vê risco de 2ª recessão na Europa
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Fonte: Valor Econômico, 28/06/2010, Finanças, p. C3

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vê risco de acontecer recessão dupla na Europa, não só pela pelo ajuste fiscal como pela exposição e fragilidade dos bancos, mas acredita que o Brasil está menos vulnerável à desaceleração nesse que é um dos seus principais parceiros comerciais.

"A hipótese de trabalho do BC do Brasil não é de uma segunda recessão (na Europa), mas que existe um certo nível de incerteza, existe", afirmou Meirelles após uma maratona de reuniões dos 14 principais bancos centrais do mundo, que se estendeu por um jantar encerrado às 23h15 do sábado, no Banco Internacional de Compensações (BIS), em Basileia.

O cenário base, segundo Meirelles, ainda é de que os "testes de estresse" que estão sendo realizados pelos BCs nos bancos europeus, a serem publicados em julho, poderão deixar os mercados "mais confortáveis" quanto à capacidade de resistência das instituições bancárias a condições econômicas e financeiras extremas.

Conforme o BIS, bancos europeus têm US$ 1,58 trilhão, ou 62% de toda a exposição de instituições internacionais junto a residentes na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, os mais afetados pela crise do endividamento, desaceleração econômica e calotes em alta.

Os mercados duvidam mais e mais da firmeza da recuperação da economia mundial, em meio ao temor de que as medidas de austeridade fiscal na Europa deflagrem o retorno da recessão em vários países e causem um efeito contágio.

No caso do Brasil, o presidente do BC acha que o país já mostrou desde 2008 que está bem preparado para enfrentar crises, citando economia equilibrada e o consumo doméstico sendo "o grande motor do crescimento e não as exportações".

Ressalva que a crise "não é boa para ninguém, principalmente se atingir os canais de crédito internacional", canal pelo qual o Brasil foi afetado na crise de 2008, principalmente suas exportações. "Mas temos reservas elevadas, sistema financeiro bem capitalizado, demanda doméstica forte", reitera.

Enquanto setores do mercado consideram que o Brasil é mais sensível ao desaquecimento nos EUA e na China do que na Europa, Meirelles prefere colocar os três no mesmo nível de parceria importante em termos financeiro e comercial. Entre banqueiros centrais, a avaliação é de que as vulnerabilidades do setor financeiro nos países desenvolvidos ameaçam de fato as economias com uma recaída.

Ben Bernanke, presidente do Fed, o Banco Central americano, que veio às reuniões da Basileia, o que não faz com frequência, já anunciou que as taxas de juros nos EUA vão se manter "excepcionalmente baixas", em reação ao potencial impacto das dificuldades fiscais europeias.

Já Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, insiste que a austeridade não vai provocar uma nova estagnação. Estima que, nas circunstâncias atuais, "políticas inspirando a confiança vão reforçar, e não atrapalhar, a retomada econômica porque a confiança é um fator essencial hoje".

Por sua vez, Meirelles não vê clareza sobre o efeito da austeridade fiscal europeia (corte de despesas, aumento de impostos etc.) nas taxas de crescimento. Mas, como Trichet, espera que uma parte da consolidação fiscal seja compensada por risco menor a longo prazo dos países endividados, capaz de ampliar o apetite de investimento e consumo privado.