Título: Situação fiscal é confortável, mas os gastos preocupam
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2010, Opinião, p. A10
As contas públicas de maio colocam o Brasil em uma situação relativamente privilegiada em um mundo em que os déficits orçamentários crescentes constituem um dos piores pesadelos, só suplantado pela perspectiva de novo mergulho recessivo de algumas das mais importantes economias.
O resultado nominal das contas públicas, que inclui todos os gastos do setor público, inclusive as despesas com juros, mostra que o Brasil está em situação fiscal mais confortável do que países desenvolvidos como Estados Unidos, Reino Unido e Japão, e também do que outros emergentes, que amargam taxas maiores em consequência das medidas tomadas para amenizar o impacto da crise internacional nos últimos dois anos.
O Brasil fechou maio com déficit nominal de 3,28% do Produto Interno Bruto (PIB), acima dos 3,21% de abril. O mercado prevê que a conta vá fechar o ano ainda em melhor forma, com déficit de 1,7% a 2,6%. Segundo levantamento da revista "The Economist", o resultado nominal dos Estados Unidos previsto para este ano é de um rombo de 8,8%; do Reino Unido, de 12%; do Japão de 7,8%; e da Espanha, de 9,9%. Já para os emergentes China e Índia, as projeções são de 3,1% e 5,5%, respectivamente.
O próprio governo brasileiro vangloriou-se ao apresentar os dados mais recentes na semana passada, exibindo taxa de endividamento líquido do setor público equivalente a 41,4% do PIB, em maio, inferior aos 42,8% do fim de 2009. Enquanto isso, os Estados Unidos devem ter neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma dívida líquida de 66,2% do PIB; a Alemanha, de 68,6%; e o Reino Unido, de 71,6%.
O crescimento econômico e o aumento da formalização dos negócios ampliaram as receitas e melhoraram os resultados das contas públicas brasileiras. O país também teve o mérito de ter sido relativamente menos afetado pela crise internacional graças ao imenso colchão de reservas e à solidez do sistema financeiro.
Ao se mergulhar nas contas públicas brasileiras, porém, não há motivos para se baixar a guarda. O governo central, que inclui União, Banco Central e Previdência, apresentou o pior resultado em onze anos em maio, em consequência do aumento das despesas sazonais com a previdência e o pagamento de juros. O déficit foi compensado pelo superávit dos Estados, municípios e estatais.
O governo tem aproveitado o bom momento da arrecadação para expandir o gasto público, mantendo o saldo mais ou menos estável. As receitas e despesas cresceram cerca de 18% no ano, até maio, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Assim, o balanço final do resultado do setor público consolidado apresentou um superávit primário (que não inclui juros) equivalente a 2,13% do PIB, sem grandes mudanças em relação ao observado nos meses anteriores (em abril foi de 2,15%). No ano passado, o resultado primário foi de 2,05% do PIB e a previsão do mercado é que o número fique em 2,5% neste ano, de modo que a meta de 3,3% de superávit será obtida com o abatimento de investimentos como os realizados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Não há problema em o governo gastar mais quando a arrecadação aumenta, especialmente em um momento em que a recuperação econômica ainda não é sólida. A qualidade das despesas é que preocupa. Estão crescendo muito os gastos com Previdência e salários.
Estão subindo também significativamente as despesas com juros por causa da elevação da taxa básica Selic neste ano, de 8,75% a 10,25% até junho. No acumulado em doze meses, as despesas com juros nominais atingiram o maior valor da história, R$ 179,363 bilhões, o equivalente a 5,42% do PIB.
Um aspecto positivo é que os gastos do governo com investimentos também estão crescendo e aumentaram 80% nos cinco primeiros meses deste ano em comparação com igual período de 2009.
Mas um dos principais motivos de preocupação dos analistas é o crescimento da dívida bruta do governo geral, que foi de R$ 1,991 trilhão em maio, equivalente a 60,1% do PIB. O mercado projeta que o índice fechará o ano em 63,7% em comparação com 62,8% em 2009 e 57,9% em 2008. A dívida bruta cresce não só por causa do aumento das reservas internacionais, como explica o governo, mas, principalmente, por causa da capitalização do BNDES. As injeções de recursos do Tesouro no BNDES, que foram de R$ 22,5 bilhões em 2008, somaram R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões neste ano.