Título: Déficit externo em elevação entra no radar
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2010, Finanças, p. C8

de São Paulo

O desequilíbrio do setor externo ganha destaque em cenários de médio prazo onde a inflação perde terreno. A percepção dos economistas é de que o aperto monetário arrastará a inflação para o centro da meta no ano que vem. Já o setor externo entra no radar ante a persistente tensão europeia, reforçada pela expectativa com o ajuste fiscal coletivo e suas consequências sobre a atividade, e pela vibração da economia brasileira que, mesmo em desaceleração, continuará puxando as importações. Garantia de fontes de financiamento do déficit minimizam problemas adiante. Mas essa garantia não existe, o que abre espaço para o debate sobre as contas externas brasileiras.

As projeções para o déficit em transações correntes são crescentes e, mesmo sem inspirar preocupação imediata, emitem sinal de alerta especialmente para as instituições que não descartam a alta da taxa de juro nas economias desenvolvidas ao final de 2011. Avaliações de médio prazo, feitas por grandes bancos, embutem um tranco nos juros americano e europeu e desaquecimento das economias maduras, o que pode comprometer as fontes de financiamento do déficit brasileiro.

Os departamentos econômicos dos bancos Santander e Itaú Unibanco, especialistas em projeções econômicas de prazos mais longos, sinalizam déficits em transações correntes em 2011 de US$ 68,40 bilhões e US$ 82 bilhões. A pesquisa Focus, organizada pelo Banco Central, mostra déficit de US$ 57 bilhões - o dobro da projeção feita um ano atrás.

"O problema mais visível no Brasil é o déficit em conta corrente", afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que vê piora no déficit e "alguma novidade" quanto ao seu financiamento em 2011 e entrando em 2012, com uma provável alta do juro americano.

"Isso, aliado ao diferencial de crescimento do Brasil em relação ao resto do mundo, terá impacto nas contas brasileiras. A Europa deve crescer perto de zero e os Estados Unidos certamente menos do que vêm crescendo hoje. O Brasil crescerá menos do que em 2010, mas ainda assim crescerá cerca de 4% - bem acima das economias maduras", comenta.

Gonçalves calcula que a economia seguirá forte, impulsionando as importações que continuarão pressionando a conta corrente e o cenário será agravado pela perspectiva de alta do juro lá fora. O economista explica que é grande a pressão para que o Federal Reserve eleve o juro porque o juro real praticado no país está negativo há muito tempo. Ele avalia que um ajuste deve "zerar" a margem negativa, o que pode ocorrer com o Federal Fund a 1,75% ao ano.

Para Eduardo Yuki, economista-chefe do BNP Paribas Asset, o déficit em conta corrente do Brasil não preocupa porque o cenário é de grande liquidez mundial. E o Brasil é forte candidato a atrair capitais. "Em 2011, continuará havendo expansão monetária por outros bancos centrais e a pergunta que cabe, portanto, é para onde irá o dinheiro. Não tenho dúvida de que o dinheiro irá para países com fundamentos sólidos, como o Brasil".

Yuki não vê alta considerável de juro nas grandes economias e lembra que nos Estados Unidos e na Europa estará em curso um ajuste fiscal que reduzirá o crescimento. "Com crescimento baixo, a inflação ficará aquém do esperado. Logo, o juro praticado também poderá ser mantido no atual patamar. Além do Brasil apresentar bons fundamentos, a combinação de prêmio de risco disciplinado e juro alto torna o país ainda mais atraente ao capital externo".

O economista do BNP Paribas Asset acrescenta que, nos últimos dois meses, o Credit Default Swap (CDS) do Brasil vem mantendo relativa estabilidade quanto comparado ao risco ascendente de outros países. Esse comportamento, entende Yuki, indica que o mundo está dando outro patamar de risco de crédito ao Brasil. "Isso é muito importante para atrair investimento. Não basta o Brasil ter juro alto", diz.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que o déficit desse ano não gera preocupação. Mas tem dúvida de que ao longo dos próximos anos valerá a tese de que o crescimento da China sustentará a expansão das exportações no Brasil e que, por essa razão, o Brasil não teria problemas nas contas externas.

"A questão é que as importações devem crescer em ritmo mais forte durante muito tempo. Por isso o déficit em conta corrente tende a crescer. Ele deverá continuar sendo financiável, mas cada vez mais sob risco e dependente de investimentos de longo prazo vultosos para a conta fechar sem problema", explica.

Para o economista da MB Associados, como parece difícil obter investimento direto muito maior do que o Brasil tem hoje, o capital de curto prazo ganha importância, o que é um problema. "Em um mundo com incertezas em vários países, e que devem assim continuar por um tempo, alguns riscos às contas externas estarão presentes mais à frente. Mas não vejo o cenário com preocupação nos próximos dois anos pelo menos".

Julio Callegari, economista do JP Morgan, também vê no descompasso de crescimento entre a economia brasileira e as demais uma justificativa para a deterioração do saldo comercial e das contas correntes. O tamanho do déficit dependerá, porém, dos termos de troca que, explica Callegari, estão ajudando muito o Brasil neste ano. "Projetamos superávit comercial de US$ 14 bilhões neste ano. Mas se congelarmos os preços no patamar de 2005, só acumulando os volumes negociados, o resultado da balança comercial seria deficitário em US$ 17 bilhões", cita.

Callegari lembra que os termos de troca têm muito a ver com preços de commodities que vêm sendo sustentados pela demanda da China --país que deve crescer 10,8% este ano e 9,4% no próximo, ante cerca de 2% das economias desenvolvidas.

"Se os termos de troca forem preservados, o saldo comercial brasileiro vai deteriorar para perto de zero ou US$ 1 bilhão negativos em 2011. Este cenário básico aponta déficit em conta corrente de US$ 70 bilhões, o que não é desprezível. Se o mercado identificar uma trajetória mais negativa, as expectativas anteciparão um resultado bem pior".

O déficit em conta corrente conduz o mercado imediatamente à avaliação das fontes de financiamento, uma vez que essa conta reflete a diferença entre o que o país investe e o que poupa. O diferencial precisa ser financiado.

"Investimento externo direto e aplicações em portfólio são os pilares desse financiamento. Nossas estimativas indicam que déficit de US$ 70 bilhões em conta corrente, em 2011, são financiáveis. Mas é inegável que a vulnerabilidade externa existe, mesmo num cenário relativamente benigno. Não há margem para enfrentar cenário negativo. Essa percepção já vem refletindo no câmbio. Já não se vê expectativa de dólar apreciando e chegando a R$ 1,50."