Título: A prestação de serviços no exterior
Autor: Marques, Fernanda
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2010, Legislação e Tributos, p. E2

Em tempos de globalização, as relações socioeconômicas desenvolvem-se a partir de negócios jurídicos celebrados entre diversas entidades de direito internacional. Empunha-se, por corolário, o estandarte da "comunidade internacional", que, com a racionalidade financeiro-especulativa, busca, nos mercados cada vez mais abertos, o fomento do capital.

A nova ordem propôs a intercomunicação entre diferentes nacionalidades. A Sears produz roupas em Bangladesh. A Nike busca mão de obra na Coréia do Norte. O capital tornou-se apátrida: ontem estava aqui; amanhã, quem sabe onde.

Esse movimento de internacionalização dos mercados impactou o mundo do trabalho, atingindo o trabalhador brasileiro, que encontra no cenário internacional a extensão de seu braço contratual. Por isso é relevante a análise da legislação aplicável em relações trabalhistas envolvendo elementos de mais de um país. A Lei nº 11.962, de 2009, ao alterar a Lei nº 7.064 de 1982, procurou uniformizar o critério de aplicação da lei em casos de prestação de serviços no exterior.

No direito, a aplicação da norma jurídica pode ser instrumentalizada levando-se em conta o tempo e o espaço, ou seja, o momento temporal de vigência e o âmbito territorial de incidência. Antes de ter sido introduzido no direito internacional dos contratos o princípio da proximidade, prevalecia a ideia que os ingleses denominavam "the proper law of the contract" - a lei mais apropriada aos contratos. Para alguns, a lei mais apropriada seria definida pelo local onde o contrato foi assinado (lex loci contractus), enquanto outros consideravam mais adequada a lei do local onde o contrato deveria ser cumprido (lex loci solutionis ou lex loci executionis).

Savigny, reconhecendo a dificuldade de encontrar a lei aplicável para as obrigações, optou por aplicar a lex loci executionis. No âmbito justrabalhista, seguindo essa linha de pensamento, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula nº 207, determinando que a relação jurídica trabalhista fosse regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.

Contudo, quando se tratar de transferências provisórias para outros países, a legislação aplicável será determinada pelo local onde nasceu a obrigação. No caso de relações de trabalho envolvendo mais de uma ordem jurídica, também há necessidade de se esmiuçar a legislação aplicável, o que vem a confirmar a importante e estreita relação entre o direito do trabalho e o direito internacional privado.

A eficácia da norma jurídica no espaço tem inter-relação com o direito do trabalho, especialmente para solucionar conflitos de disposições normativas quanto ao território de aplicação. Em regra, o direito do trabalho utiliza como elemento de conexão para fundamentar a aplicação de determinada ordem jurídica o local onde a prestação de serviços será executada. Entretanto, há hipóteses em que a própria doutrina admite às partes convencionarem sobre a legislação trabalhista aplicável.

Pelo princípio da proteção, a escolha da legislação aplicável é baseada no desejo de proteger determinada parte da relação jurídica.

Num primeiro momento, a Lei nº 7.064 tratou da matéria pertinente à situação dos trabalhadores contratados no Brasil, ou transferidos por empresas prestadoras de serviços de engenharia, inclusive consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres, para prestar serviços no exterior (artigo 1º).

Entretanto, com a publicação da Lei 11.962, o artigo 1º passou a ter a seguinte redação: "este diploma regula a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior".

A nova redação abrangeu o âmbito de incidência de aplicação da norma, não mais se restringindo às empresas de engenharia, consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres.

Já o artigo 2º estabelece que para os efeitos desta lei, "considera-se transferido o empregado removido para o exterior, cujo contrato estava sendo executado em território nacional; o empregado cedido à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo empregatício com o empregador brasileiro; o empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior " .

A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido terá que observar a ordem jurídica do local da prestação dos serviços, sem prejuízo de aplicação dos direitos consagrados pela legislação pátria, se porventura forem mais benéficos ao trabalhador (artigo 3º). No tocante às legislações que asseguram o direito ao FGTS, INSS e PIS/Pasep será observada a legislação brasileira, respeitadas as disposições especiais.

Na hipótese de contratação de trabalhador por empresa estrangeira para trabalhar no exterior exige-se a prévia anuência e autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, lembrando que a autorização somente será concedida à pessoa jurídica de cujo capital participe, em pelo menos 5%, pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Neste caso, a legislação aplicável será a lex loci executionis, inclusive quanto a garantias previdenciárias (artigo14).

Em resumo, a Lei nº11.962 fez distinção de dois tipos de contratação que implicará a análise da lei aplicável ao caso concreto. O primeiro tipo diz respeito a empregado contratado por empresa nacional, para prestar serviço no exterior. Nesta hipótese, ao empregado transferido será assegurado, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços, os direitos consagrados pela legislação nacional, quando mais favoráveis. As normas relativas ao FGTS, INSS e PIS/Pasep observarão as diretrizes brasileiras.

O segundo tipo de contratação concerne a empregado contratado por empresa estrangeira. Nesse caso, a norma aplicável será a lei do país da prestação de serviços, em observância à Súmula nº 207, do TST.