Título: China começa a apertar o combate à corrupção
Autor: Roberts, Dexter
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2010, Internacional, p. A7

No fim de junho, mais de 150 executivos da Siemens, a gigante industrial alemã, reuniram-se em Pequim para discutir o cumprimento das leis anticorrupção chinesas e americanas. O fato de uma multinacional gastar milhões para formular uma estratégia para evitar acusações de suborno num país onde a corrupção é desenfreada mostra em que medida o mundo dos negócios está mudando na China.

Promotores americanos, autorizados pela Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, em inglês), de 1977, a investigar acusações de suborno em qualquer lugar do mundo, têm ampliado suas atividades na China, onde a tradição de presentear, no mundo dos negócios, muitas vezes degenera em corrupção grave. A FCPA proíbe empresas americanas de subornar autoridades estrangeiras. Isso também se aplica a empresas estrangeiras como a Siemens, cujas ações são negociadas em bolsas americanas. As empresas que desrespeitam a FCPA sujeitam-se a milhões em multas e seus executivos podem ir para a prisão. Autoridades americanas aumentaram de 11, em 2005, para 34, no ano passado, o número de casos de suborno em todo o mundo que investigam até chegar a um desfecho, de acordo com a Trace International, entidade antissuborno sem fins lucrativos, de Maryland. Em relatório divulgado em 17 de junho, a Trace assinalou que a China, com 25 casos concluídos desde a promulgação da FCPA, ficou atrás apenas do Iraque e da Nigéria como palco da maioria dos processos de corrupção internacional. Citando uma estimativa do Banco Mundial segundo a qual mais de US$ 1 trilhão em propinas é pago a cada ano, secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, disse em 31 de maio que a "luta contra a corrupção é uma das maiores prioridades do Departamento de Justiça".

Por outro lado, as autoridades chinesas estão ficando mais agressivas, amparadas em suas próprias leis antissuborno, diz Patrick Norton, um sócio na Steptoe & Johnson, que se dedica a mediação internacional. Neste ano, um tribunal chinês proferiu sentenças de prisão contra quatro funcionários da Rio Tinto, empresa mineradora com sede em Londres, por terem recebido propina de compradores chineses de minério de ferro.

Em outros casos, diz Norton, há um problema de "repeteco", quando as autoridades chinesas tomam conhecimento uma investigação nos EUA: "É iniciada uma investigação da FCPA sobre pagamentos de suborno na China. A empresa [alvo] paga montantes enormes para arquivar o caso. Ela pensa que está tudo em ordem e, então, é processada na China pelas mesmas acusações".

Investigadores americanos assinalaram diversas vitórias, recentemente. Em 2008, a Siemens declarou-se culpada de violar disposições da FCPA na China e em vários outros países. A companhia concordou em pagar uma multa de US$ 450 milhões. Em 2009, a Avery Dennison, fabricante americana de etiquetas e material refletivo concordou em pagar a multa de US$ 200 mil depois que a Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC) entrou com uma ação alegando violação das posturas da FCPA. A subsidiária chinesa da Avery tinha financiado viagens de turismo para funcionários locais.

Em outro caso, no ano passado, a UTStarcom (UTSI), fabricante de equipamentos para telecomunicações, negociou o fim de investigações do governo americano ao concordar em pagar US$ 3 milhões em multas e penalidades. Sua subsidiária na China gastou quase US$ 7 milhões em 225 viagens de funcionários do governo chinês. No primeiro semestre deste ano a Avon Products, que vende cosméticos, suspendeu quatro executivos, como parte de uma investigação interna sobre possível corrupção em sua divisão na China. Em 2008, a Avon já havia alertado as autoridades americanas sobre sua própria investigação interna.

E, no fim de junho, a imprensa chinesa relatou que a Johnson & Johnson estava sob investigação de promotores locais por, supostamente, ter subornado um funcionário de uma agência regulatória para o setor farmacêutico chinês. A J&J diz não ter sido comunicada pelo governo chinês. Uma pessoa familiarizada com o assunto diz que os EUA estão investigando a subsidiária da J&J. Nem a SEC nem o Departamento de Justiça quiseram comentar.

"Um dos problemas das empresas é conciliar o costume chinês de oferecer entretenimento e presentes com a cultura do cumprimento das normas", diz Mark F Mendelsohn, que desde 2005 até este ano acompanhou o andamento dos processos do FCPA no Departamento de Justiça e agora trabalha na firma de advocacia Paul Weiss, em Washington. As práticas habituais podem ser tão inofensivas como presentear com "bolos lunares" durante a festival da lua, no outono. Algumas companhias, porém, vão muito além. A Lucent bancou 315 viagens de autoridades chinesas ao Grand Canyon, à Universal Studios e à Disneylândia. A empresa caracterizou as viagens como inspeções de fábrica e treinamento. Em 2007, a empresa foi acusada pela FCPA. Em última instância, a Lucent firmou um acordo nos EUA e aceitou pagar uma multa de US$ 1 milhão.

As empresas americanas também precisam cumprir a Lei Sarbanes-Oxley, de 2002, que tornou mais difícil ocultar subornos mantendo contabilidades separadas. Em 2005, a Diagnostic Products, fabricante de testes médicos, foi acusada de pagar US$ 4,8 milhões em propinas a hospitais e a administradores chineses e de violar as regras contábeis. A empresa concordou em pagar US$ 2 milhões, como parte de um acordo de admissão de responsabilidades.

Às vezes, empresas estrangeiras podem ser apanhadas por usar intermediários locais para ajudar a garantir o fechamento de negócios. A contratação representantes pode ser uma forma totalmente legítima para driblar a burocracia. Mas pode também resultar em práticas questionáveis. "Muitas vezes, a figura do terceiro é criada exclusivamente para pagar o suborno, não há outra razão de ordem empresarial", disse Nathaniel Edmonds, diretor-adjunto da seção de fraudes do Departamento de Justiça. Além disso, nos termos da FCPA, uma empresa americana é tão responsável pelas ações de um intermediário como de seus próprios funcionários.

A tentação de oferecer um suborno na China é forte porque a prática é extremamente comum. Os riscos de ser apanhado, porém, estão aumentando rapidamente.

Em suma, os EUA estão policiando mais agressivamente as atividades de grandes multinacionais na China, e promotores chineses têm, por vezes, seguido a mesma trilha.