Título: Licença para indicar
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2010, Eu e Investimentos, p. D1

de São Paulo

Mais clareza para que o investidor consiga identificar os possíveis conflitos de interesse presentes nas recomendações dos analistas. Esse é um dos objetivos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na Instrução 483, anunciada ontem, que passará a reger a atividade de analistas de valores mobiliários a partir de 1º de outubro.

Com as novas regras, os possíveis conflitos de interesse nos relatórios dos analistas devem ficar mais claros para o investidor. Hoje, é comum encontrar relatórios com uma folha inteira com ressalvas dizendo, por exemplo, que o analista não tem vínculo com pessoas que atuam na empresa-alvo da recomendação. Ou seja, mesmo que não haja relação entre o profissional e a companhia, ela precisa ser citada. A Instrução 483 prevê que as ressalvas sejam feitas somente se houver efetivamente algum tipo de ligação. "No lugar de haver uma página inteira descrevendo conflitos que não existem, os relatórios passarão a prestar contas daqueles que realmente existem", afirma Francisco José Bastos Santos, superintendente de Relações com Investidores Institucionais.

Se a empresa de análise tiver qualquer negócio com a empresa analisada, por exemplo, isso terá de ficar claro para o investidor. "Caso haja alguma relação comercial com o emissor do ativo, se ela presta, por exemplo, o serviço de formador de mercado para as ações da empresa que é alvo do relatório, isso precisa ficar claro", explica Santos.

Antes, o investidor precisava ler um monte de informações para saber se havia conflito de interesse numa recomendação, e agora vai ficar mais fácil, avalia Wagner Salaverry, sócio-diretor da Geração Futuro. "O cliente continuará tendo a mesma informação, mas ela chegará de forma mais rápida a ele."

A Instrução 483 substitui a de número 388 e, de modo geral, fortalecerá também a autorregulação do setor. A CVM deixará de registrar os analistas, delegando a tarefa para entidades credenciadoras autorizadas. A Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) nacional já pediu autorização e a CVM concedeu, mas não há exclusividade. Isso quer dizer que, caso outras entidades queiram atuar como credenciadoras de analistas, poderão obter autorização junto ao órgão regulador.

Antes, o analista precisava se certificar junto à Apimec para, em seguida, pedir o registro na CVM. Agora, esse segundo passo do processo deixa de existir e a Apimec passa a atuar como credenciadora da atividade. A CVM tem hoje 1.055 analistas, cujos registros serão cancelados. Mas os analistas hoje registrados não precisarão se habilitar novamente junto à Apimec.

A entidade precisará prestar contas a cada trimestre para o órgão regulador. A fim de supervisionar de maneira eficaz os analistas, a Apimec prevê a contratação de um supervisor e outros três executivos. Além disso, já montou um conselho de supervisão para avaliar os relatórios, diz Lucy Sousa, presidente da Apimec nacional. "Vamos analisar principalmente a utilização de informação privilegiada nos relatórios e, em caso de indício de uso, poderemos eventualmente chamar o analista para prestar contas", afirma.

Fica vedado ao analista negociar direta ou indiretamente, em nome próprio ou de terceiros, ações que sejam objeto dos relatórios de análise. Essa proibição, que antes era de 10 dias, passará a ser de 30 dias anteriores à divulgação do relatório e de 5 dias posteriores. Os profissionais também não poderão fazer operações no sentido contrário ao das recomendações por 6 meses, contados da divulgação, ou até que haja a divulgação de novo texto sobre a ação de uma empresa. Isso é algo que não existia na regra anterior.

A extensão do prazo para negociação de ações era um ponto que a Apimec discordava quando a minuta da instrução entrou em audiência pública. Na ocasião, a entidade considerou o prazo excessivo e avaliou que punia desnecessariamente o analista. Agora, mudou de opinião. "Na prática, as corretoras e bancos, como práticas de controle interno, nem permitem que os analistas comprem ações de empresas sob sua análise", diz Lucy, justificando a mudança de postura.

As empresas precisarão ainda atender a percentuais mínimos de profissionais credenciados em suas equipes. Até 31 dezembro deste ano, 30% de seus analistas terão de ser credenciados. Esse percentual sobe para 50% no fim do ano que vem, atingindo 70% de analistas credenciados até 31 de dezembro de 2012.

Pela regra anterior, todos os analistas precisavam ter registro junto à CVM para assinar uma recomendação. Mas, na prática, havia poucos profissionais registrados e muitos sem registros, afirma Lucy. A Instrução 483 soluciona essa questão, avalia a presidente da Apimec, pois um analista que está em processo de credenciamento poderá aparecer como coautor num relatório.

Outra novidade está na permissão para que empresas sejam constituídas com objetivo exclusivo de análise de valores mobiliários. Atualmente, as empresas independentes tinham de pedir registro de consultor pessoa jurídica junto à CVM para poder atuar. Agora, há a possibilidade de que as empresas tenham como objeto social a atividade de análise mesmo. A demanda por serviços independentes de análise deve crescer à medida que o mercado acionário se desenvolve cada vez mais a cada ano, avalia Salaverry, da Geração.

A CVM faz questão de reforçar que, embora as medidas aumentem a autorregulação do setor, ela continuará regulando e supervisionando a atividade de análise. "Haverá, no entanto, um fortalecimento na autorregulação, com foco ainda maior na supervisão", ressalta Santos.