Título: Recurso extra captado nem sempre financia imóveis
Autor: Alessandra Bellotto e Adriana Cotias
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2010, Finanças, p. C1

de São Paulo

Nem todo o saldo de R$ 47 bilhões em instrumentos alternativos de captação para o mercado imobiliário representa fonte de financiamento para o setor. Muitas vezes os bancos emitem apenas para atender a demanda de investidores, sem destinar o recurso captado ao crédito imobiliário.

Esse é o caso das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), com estoque de R$ 20,3 bilhões, e das Letras Hipotecárias (LHs), com R$ 1,7 bilhão. Essas últimas são emitidas atualmente apenas pela Caixa Econômica Federal. As LCIs e LHs, apesar de terem como lastro carteiras de crédito imobiliário, em geral, só são colocadas quando os bancos já cumpriram com o direcionamento obrigatório para o financiamento habitacional, de 65% dos recursos captados via poupança.

A LCI tem duas funções, explica o advogado Alexandre Assolini Mota, sócio do escritório PMK Advogados Associados e presidente da Câmara do Mercado Imobiliário da BM&FBovespa. Para os bancos que não têm poupança, trata-se da principal fonte de financiamento do crédito imobiliário. Já para as grandes instituições financeiras, a LCI é um mecanismo usado para regular a superaplicação em crédito imobiliário, ou seja, quando os bancos têm mais de 65% dos depósitos de poupança direcionados ao financiamento habitacional.

Nesse caso, os recursos captados com a emissão das letras podem ser destinados a outras operações dos bancos. Assolini estima que, pelo menos, metade do estoque de LCI e LH, ou cerca de R$ 11 bilhões, se encaixam nesse caso. Ele ressalta, no entanto, que há banco que faz a emissão só para atender demanda de investidores. E, ao usar parte da carteira como lastro, acaba tendo de direcionar mais recursos da poupança para o financiamento habitacional, o que configura funding. "O primeiro giro da carteira pode ter sido financiado com poupança, mas o segundo foi com a emissão de letras."

Na conta de ativos de base imobiliária ainda há R$ 14,7 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), R$ 5,4 bilhões em fundos imobiliários, R$ 1,4 bilhão em fundos de participação, R$ 400 milhões em fundos de recebíveis do tipo imobiliário e mais R$ 2,7 bilhões em Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI).

No caso das CCI - que representam contratos de crédito imobiliário e que servem de lastro à emissão de CRI - foi considerada na conta a diferença entre os volumes de CRI e CCI. Isso porque, apesar de não serem valores mobiliários, muitas CCIs são compradas diretamente por investidores institucionais. Os dados foram obtidos no dia 9 nos sites da Cetip e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Os CRI também merecem uma ressalva. Segundo Assolini, pelo menos metade dessas emissões (cerca de R$ 7,3 bilhões) está nas carteiras dos bancos, uma vez que esses certificados podem ser usados para cumprir com o direcionamento obrigatório dos 65% dos recursos captados via poupança para o crédito imobiliário. Isso significa que, na conta dos R$ 111,5 bilhões de saldo de financiamentos imobiliários com recursos de poupança, está considerado também o volume de CRIs comprados por bancos, aponta o advogado.

É importante destacar que os recursos captados tanto via CRIs como por meio de fundos imobiliários não são necessariamente destinados a financiar o crédito habitacional, mas o desenvolvimento do mercado imobiliário em geral. "Financiamento imobiliário serve para compra e venda de imóveis, construção ou reforma, de empreendimentos residenciais e corporativos", diz Assolini.

Vitor Bidetti, da Brazilian Mortgages, ainda lembra que boa parte das emissões recentes foi dos chamados CRI corporativos, concretizados em cima de contratos de locação, sem representar "funding" para a construção. Foi o caso da oferta de R$ 110 milhões com lastro em créditos de responsabilidade da Petrobras, realizada no fim do ano passado. Na conta de 2009, R$ 826 milhões foram emitidos para contratos de aluguel, praticamente empatando com os R$ 961,1 milhões endereçados ao crédito imobiliário, segundo levantamento da Uqbar.

Olhando à frente, Bidetti não tem dúvida de que os CRIs corporativos representarão a parte menor do mercado, com o instrumento ocupando papel relevante no financiamento e como fonte de retroalimentação de recursos para o setor. A própria Brazilian vem, desde 2000, desenvolvendo CRIs lastreados em crédito pulverizado de contratos de pessoa física. "Esse vai ser o grande mercado", aposta.

O executivo considera que o salto pode vir ainda da estruturação de fundos imobiliários com CRIs na carteira, um formato mais amigável para os investidores e que tira de cena a limitação atual dos CRIs, com acesso apenas para investidores qualificados, com aplicação a partir de R$ 300 mil.

Luiz Antonio França, da Abecip, conta que o mercado já começa a discutir trazer para o Brasil opções que são utilizadas lá fora, como os "covered bonds", títulos emitidos por bancos com a garantia de carteiras de crédito imobiliário. Para alguns profissionais desse mercado, o instrumento nada mais é do que uma LCI. Contudo, segundo Assolini, não é regra no mercado emitir letras garantidas por carteiras de crédito, mas apenas com lastro. As letras financeiras, já liberadas para os bancos, segundo o presidente da Abecip, também são uma alternativa a ser considerada mais à frente. "Temos de ter todos os instrumentos à mão."