Título: Governo promete poupar R$ 125,5 bi
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 10/07/2010, Economia, p. 14

Na avaliação de analistas, a autorização de aumento de gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias dificulta o cumprimento do superavit em 3,3% do PIB. A diminuição do ritmo de crescimento das receitas, resultado direto da desaceleração da atividade, também atrapalha

O governo pretende economizar R$ 125,5 bilhões em 2011 para garantir o pagamento de juros da dívida pública brasileira e cumprir a meta de superavit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para todo o setor público. A equipe do próximo presidente da República, no entanto, deve enfrentar dificuldades em concluir a missão imposta, uma vez que a mesma LDO(1), aprovada na quinta-feira pelo Congresso, prevê o aumento das despesas obrigatórias em pelo menos R$ 20 bilhões e uma projeção menor para o crescimento da economia.

A maior parte do aperto de cinto deverá vir do governo central, que inclui o Tesouro Nacional, a Previdência Social e o Banco Central (BC), responsáveis por poupar R$ 81,8 bilhões (2,15% do PIB). O restante do esforço prometido será realizado pelas empresas estatais federais (R$ 7,6 bilhões ou 0,20% do PIB) e pelos governos estaduais e municipais (R$ 36,1 bilhões ou 0,95% do PIB). Caso as administrações regionais não consigam cumprir a meta estabelecida para eles, o governo federal deverá compensar a diferença, para que o superavit total previsto seja alcançado.

O cumprimento do objetivo dependerá, segundo analistas do mercado, do nível de comprometimento do governo, principalmente no que diz respeito à redução das despesas públicas. Para o estrategista-chefe do Banco West LB no Brasil, Roberto Padovani, essa será a única saída, uma vez que o país não poderá contar, no ano que vem, com a mesma arrecadação de impostos observada neste ano. ¿A permissão para o aumento de gastos (prevista na LDO para 2011) é um mau sinal. Quase dois terços do orçamento são usados na folha de pagamento. Então, é preciso controlar os reajustes, porque este ano o governo vai ser ajudado pela arrecadação, mas no que vem vai depender da redução de despesas¿, destacou.

A previsão da Receita Federal é de que a arrecadação tenha crescimento real entre 10% e 12% este ano, estimativa baseada na forte expansão prevista para a economia (de 7,3%, segundo o BC). Para 2011, a LDO estima avanço de 5,5% na economia, o que deve reduzir o ritmo de crescimento das receitas. Na avaliação do economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, a previsão para o PIB é um pouco apertada, mas possível de ser atingida. ¿É um pouco exagerado, dado que o PIB potencial atualmente está entre 4,5% e 5%. Mas não é nenhuma barbaridade, se o governo fizer a lição de casa¿, afirmou.

Redutor legal Leal também considera factível a realização do objetivo de poupar 3,3% do PIB, mas destaca que ela dependerá da ¿vontade política¿ da próxima gestão, que poderá utilizar os mecanismos legais que permitem o desconto do valor gasto em investimentos no superavit primário. ¿Para este ano, por exemplo, ninguém espera que a meta cheia seja alcançada. Até o BC já fala em cumprimento com os abatimentos previstos, o que reduz o compromisso, na prática, para 2,1% ou 2,2% do PIB¿, afirmou.

O recurso, previsto pela lei desde 2006, foi utilizado pela primeira vez no ano passado, quando, mesmo com a meta reduzida de 3,3% do PIB para 2,5%, o governo conseguiu economizar apenas o equivalente a 2,06% do PIB. Desde o início do ano, porém, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, tem propagado a intenção da equipe econômica em não utilizar o mecanismo este ano, sem, entretanto, descartá-lo completamente. De acordo com dados do BC, a economia para o pagamento dos juros nos últimos 12 meses, até maio, foi equivalente a 2,13% do PIB.

Mesmo diante da dúvida de alguns setores na capacidade do governo em economizar 3,3% do PIB em 2011, Leal avalia que a manutenção da meta foi um acerto. ¿Não cabia ao governo, no fim do mandato, fazer alterações expressivas. Uma LDO preparada por uma gestão para que outra cumpra tem que manter os parâmetros¿, ponderou.

1 - Prioridades A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é preparada anualmente pelo Congresso Nacional com a definição das prioridades da administração pública, incluindo os gastos permitidos e as metas fiscais a serem perseguidas pelo governo. A lei serve de base para a elaboração do orçamento federal. Estados e municípios também elaboram suas versões para a confecção de seus orçamentos.

Obras bem-vindas

A atuação do governo federal como principal condutor dos investimentos em obras no país tem contribuído para aumentar a taxa de formação bruta de capital fixo, historicamente baixa, além de servir como trunfo político para a atual gestão. Analistas de mercado, no entanto, avaliam que o setor público ainda falha na hora de criar condições para o crescimento do volume de recursos aplicados pela iniciativa privada.

Segundo o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, em vez de assumir o papel mais importante, o governo deveria aumentar as condições para as empresas ampliarem os investimentos. ¿Teria que reduzir a carga tributária e a burocracia e aumentar as garantias para a recuperação de empréstimos. Essas reformas microeconômicas garantiriam um crescimento mais sustentável¿, afirmou.

Os analistas não criticam o investimento estatal, como ressalta o estrategista-chefe do Banco West LB no Brasil, Roberto Padovani. ¿Em um país pobre como o nosso, qualquer investimento é importante. Os recursos públicos em obras são muito bem-vindos, mas são insuficientes e não conseguem suprir todas as carências de infraestrutura que o país possui¿, considerou.

Locomotiva Para Leal, o governo erra ao eleger os bancos públicos como locomotiva para o desenvolvimento. ¿Além do risco fiscal, você acaba escolhendo os vencedores. Grandes empresas têm acesso a empréstimos do BNDES, por exemplo, mas as firmas menores, que empregam mais, precisam ir ao mercado buscar financiamentos. A questão que se coloca é se isso é justo¿, questionou. (GC)

Dívida preocupa

Apesar de a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prever uma queda gradativa da dívida líquida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro dos atuais 40% para 30,8% até o fim de 2013, o governo ainda foge da discussão em torno do crescimento constante do endividamento bruto, que representa mais de 60% do PIB e aumenta a vulnerabilidade do país a choques externos.

No texto da LDO, a queda da relação entre a dívida líquida e o PIB é estimada com base na ampliação da produção de riquezas, aliada à redução do custo dos títulos. ¿É preciso ter em mente que o que realmente deve ser observado é a dívida bruta¿, disparou o estrategista-chefe do Banco West LB no Brasil, Roberto Padovani. Segundo o economista, esse indicador é mais apropriado porque, além de permitir comparações internacionais, ele capta participações do governo em empresas estatais, excluídas no conceito líquido.

Fragilidade ¿Para ter um retrato mais exato da situação fiscal, é preciso olhar a dívida bruta. Nesse ponto, a notícia não é boa. O governo há tempos não consegue definir uma trajetória sustentável de queda do endividamento bruto e a política fiscal, tal como está desenhada hoje, fragiliza o país¿, ressaltou.

Segundo cálculo do Fundo Monetário Internacional (FMI), atualmente o Brasil é o país com a terceira maior dívida bruta entre os países emergentes e é superado apenas pela Hungria e pela Índia, que lidera o ranking, com passivo em torno de 80% do PIB. (GC)