Título: Leal defende apoio estatal à conversão das empresas
Autor: Grabois, Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2010, Especial, p. A14

O empresário Guilherme Leal, vice na chapa do PV para a Presidência da República, defende mais investimento público e menos despesa corrente. Como todo empresário Leal, um dos donos da Natura, é crítico da carga tributária. O empresário defende a migração das empresas para a chamada economia verde, o estímulo à geração de energia renovável, mas vê o pré-sal como um "presente". E lança dúvidas sobre a transparência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: E o senhor votou em quem para presidente em 2002 e em 2006?

Guilherme Leal: Em 2002, votei no presidente Lula. Em 2006, para falar a verdade, fiquei muito frustrado com as opções. No segundo turno, não votei, estava viajando, se não me engano, mas não estava nem um pouco entusiasmado. Em 94 e em 98, votei no presidente Fernando Henrique.

Valor: O retrospecto de suas doações mostra uma concentração em candidatos tucanos. Isso denota uma preferência?

Leal: Minhas contribuições politicas sempre foram muito pequenas. Tem Marina, teve Erundina lá atrás, participei do Consea no começo do governo Lula. Eu sou coerente com a minhas ideias e nunca tive atividade partidária. Fui um dos criadores do Movimento Nossa São Paulo junto com o Oded (Grajew), tenho atuado mais na sociedade civil. Nunca estive ligado a um partido político até setembro do ano passado.

Valor: O senhor é a favor da contenção de gastos. Como combinar com o aumento dos investimentos públicos?

Leal: Temos limitação na sustentação do crescimento de longo prazo a taxas mais vigorosas por uma baixa capacidade de investimento. de apenas 1,5% do PIB. Temos uma baixa taxa de poupança interna que se deve à apropriação muito grande pelo Estado, pela alta carga tributária. E sabemos que poucos países dependentes apenas de capital externo tiveram crescimento de médio e longo prazos sustentados. Temos que reduzir gastos. Crescer gasto público a taxa menor que o PIB abriria espaço para a redução dos juros, o que ajudaria a aumentar o investimento privado e a diminuir a pressão sobre câmbio. Agora, pisar no acelerador no gasto público e no freio na política monetária tem consequências sobre a dívida interna e o custo do investimento. Essa é a situação hoje. Tem que ter uma política fiscal mais inteligente, buscar eficiência no gasto para não ter uma política monetária restritiva.

Valor: Onde cortar?

Leal: Não estamos falando de cortes, estamos falando de crescer o gasto abaixo do crescimento do PIB.

Valor: Mas isso não poderia frear o já baixo investimento público?

Leal: O investimento público e privado precisa ser ampliado. A crítica que se faz é a maneira pouco transparente como vem sendo feito. É lastimável que só se tenha o BNDES como única fonte de investimento de longo prazo no setor produtivo.

Valor: Falta transparência ao BNDES?

Leal: Nessa política de endividamento via Tesouro para a capitalização do BNDES e o banco emprestando para as empresas a custo mais barato, existe um subsídio implícito que não é tão transparente como deveria. São volumes muito significativos. Se são recursos do Tesouro Nacional, a sociedade tem direito de saber.

Valor: O BNDES deve oferecer financiamento a taxas mais baixas como faz?

Leal: Tenho dúvidas. O BNDES deve ajudar a indústria nacional, o setor produtivo nacional precisa ser fortalecido para ser competitivo. O país não pode se desenvolver se não tiver acesso a fontes de financiamento de longo prazo. Agora, se deve ser subsidiado sem conhecimento, com uso de recursos públicos sem transparência, aí já tenho dúvidas. Sou a favor de uma indústria brasileira forte. Agora, a existência de subsídios para serem alocados ao setor X, Y ou Z sem transparência, acho que a sociedade deve decidir.

Valor: O câmbio está sobrevalorizado?

Leal: Como já disse alguém que eu não me lembro agora o nome, a única coisa que a gente sabe do sistema do câmbio flutuante é que ele flutua. O pior problema do câmbio é quando ele tem muita volatilidade, isso é terrível para o empresário, que não tem segurança para as suas previsões. Temos que ter câmbio flutuante com intervenções para evitar os excessos de volatilidade. Há que se ter cuidado para não haver uma excessiva sobrevalorização do real porque você retira competitividade e pode levar alguns setores, principalmente os que agregam maior valor nas indústrias mais sofisticadas, de transformação, a perder capacidade competitiva, tendo em vista não só o câmbio, mas questões tributárias, de infraestrutura, de legislação trabalhista.

Valor: Como combinar uma agenda de desenvolvimento sustentável com o atual modelo existente e manter o investimento em alta?

Valor: Mudar essa agenda é a grande proposta que se traz. A economia verde era vista como entrave ao desenvolvimento, é um grande equívoco. A entrada da Marina na corrida começou a mudar um pouco essa percepção. Há uma agenda a ser transformada. Ninguém é contra o pré-sal, é uma poupança achada pelo Brasil, e que tem que ser utilizada com muito cuidado, como está sendo demonstrado pelo acidente no Golfo do México e que traz novos e redobrados cuidados, que inclusive vai afetar custos e exigir profundos repensamentos em relação às tecnologias a serem adotadas em alta profundidade.

Valor: Nessa transição para uma nova economia as empresas têm como arcar com custos adicionais?

Leal: Existem estímulos e incentivos. Há setores que têm que ser apoiados para se tornarem mais eficientes e rumarem para esta adaptação. No mundo inteiro isso está acontecendo.

Valor: Como combinar a mudança de padrão de consumo com a entrada recente de grande parte da população no mercado?

Leal: Há claramente uma demanda de consumo de serviços públicos que está muito aquém do desejado. Não vejo a população contente com a qualidade da educação, da saúde, da segurança. Precisamos resolver a qualidade dos serviços e dar oportunidade de desenvolvimento pleno. O Brasil arrecada 38% do PIB e não devolve para a sociedade os serviços equivalentes. Dizer que todos estão contentes só porque têm acesso ao seu carro ou à sua TV é subestimar o cidadão brasileiro.

Valor: Mas o eleitor não valoriza esse aumento de consumo? f

Leal: Sabemos que não será sustentável a economia somente baseada no consumo. O Brasil vive um momento muito positivo. Nos últimos 16 anos, há um acúmulo muito positivo de estabilidade, distribuição, inclusão, que não é só no Brasil. Nos emergentes, o número de pessoas que passou para a classe C cresceu, mas traz a necessidade de novos padrões de produção e de consumo. Isto é evidente, as mudanças climáticas estão aí a mostrar. Isso passa por toda uma nova economia verde, daí a oportunidade. Talvez seja equivalente a uma nova revolução industrial. (A.P.G)