Título: As lições da reforma financeira americana
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Fonte: Valor Econômico, 21/07/2010, Editorial, p. A10
A solidez dos bancos foi um dos trunfos do Brasil para atravessar relativamente bem a crise financeira internacional. Enquanto outros países tiveram que gastar caminhões de dinheiro para salvar o sistema financeiro e mergulharam em séria recessão, no Brasil os bancos resistiram relativamente bem ao aperto de liquidez e menos recursos foram necessários para superar os problemas.
Ainda assim, a reforma financeira recentemente aprovada pelo Congresso americano e que será assinada pelo presidente Barack Obama nesta semana traz algumas lições que podem ser aproveitadas.
A criação de um agência para proteger o consumidor de produtos financeiros é uma das principais novidades do chamado Dodd-Frank Act, nome dado à lei em homenagem aos parlamentares democratas que batalharam durante quase dois anos pela nova legislação, o senador Christopher J. Dodd (Connecticut) e o deputado Barney Frank (Massachusetts), enfrentando a forte resistência dos bancos e dos republicanos. Apenas três republicanos votaram a favor da lei no Senado e outros três na Câmara.
A Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) terá a missão de zelar pela transparência dos produtos financeiros, como investimentos e linhas de crédito, e investigar abusos cometidos contra o consumidor pelas instituições financeiras. Criada sob o guarda-chuva do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), a CFPB terá poder e deverá agir com rapidez.
Não há no Brasil uma agência com essa força e espectro de atuação. O consumidor de produtos financeiros brasileiro é protegido apenas por uma rede fragmentada, o que enfraquece seus resultados. O brasileiro pode contar com os Procons, fundações de proteção e defesa do consumidor ligadas às secretarias estaduais da Justiça e da Defesa da Cidadania. Mas os Procons só agem desde que haja alguma denúncia do consumidor. Raramente tomam a iniciativa. Uma exceção é o Procon de São Paulo, que acompanha sistematicamente as taxas de juros das principais linhas de crédito para a pessoa física e as tarifas bancárias. Ainda assim esse é um trabalho de esclarecimento, que compara os preços dos diversos fornecedores.
O Banco Central (BC) também fiscaliza eventuais abusos contra os consumidores de produtos financeiros. Mas, normalmente, só age sob pressão da sociedade. Foi o que aconteceu em relação às tarifas bancárias, campo em que o escandaloso comportamento dos bancos e as crescentes reclamações dos Procons e associações de consumidores levaram o BC a tomar providências.
A confusa nomenclatura dos serviços oferecidos pelos bancos, muitas vezes usada para justificar um diferencial, foi padronizada e, finalmente, em dezembro de 2007, foi criada uma cesta básica de tarifas cujo preço pode ser comparado nos diversos bancos. Isso não evitou que o BC tivesse que voltar à carga dois anos depois para introduzir aperfeiçoamentos porque os bancos já haviam encontrado fórmulas criativas para tarifas extras.
Em relação aos juros cobrados pelos bancos dos clientes, o papel desempenhado pelo BC é apenas informativo, com o intuito ilusório de que o consumidor vai escolher de qual instituição tomar crédito com base nessas informações, quando se sabe que são notórias as dificuldades de se trocar rapidamente a conta bancária.
Em outros episódios, ficou mais patente que o Banco Central age primordialmente sob pressão da sociedade. Um deles é o dos cartões, que tiveram ganhos extras durante anos de varejistas e consumidores, com taxas embutidas e algumas não tão disfarçadas assim e o duopólio das maquininhas. Após esperar pacientemente durante alguns anos que o próprio setor mudasse seus procedimentos, o BC acabou impondo alguns limites que só agora começam a mudar o panorama. Deveria ter aproveitado a oportunidade para tomar alguma providência a respeito do escandaloso juro cobrado pelos bancos quando o cliente financia a fatura do cartão.
Também é o caso de os reguladores brasileiros avaliarem a Volcker Rule, regra sugerida pelo ex-presidente do Fed, Paul Volcker, para compor a nova legislação americana, que limita os investimentos dos bancos com capital próprio, as operações proprietárias, que não deixam de ser significativas nos administradores brasileiros de fundos, muitos deles ligados a bancos.
Apesar de os bancos brasileiros terem se saído bem no teste real da crise financeira, sempre há espaço para aperfeiçoamentos.