Título: Argentina eleva disputa comercial e taxa produtos de China e Brasil
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2010, Internacional, p. A15

Com a justificativa de proteger o sua único fabricante do produto, uma indústria que emprega cerca de 500 trabalhadores na Província de Santa Fé, o governo da Argentina anunciou ontem a aplicação de medidas antidumping contra aparelhos multiprocessadores de alimentos provenientes do Brasil e da China.

O maior alvo são os aparelhos chineses, que passarão a pagar sobretaxa de 202% sobre o valor das importações. No caso dos multiprocessadores brasileiros, a sobretaxa será de 24%.

A nova medida protecionista foi adotada uma semana após a volta da presidente Cristina Kirchner de uma visita oficial à China, com o qual a Argentina trava uma "miniguerra comercial", e às vésperas da reunião de cúpula do Mercosul, em 2 e 3 de agosto.

A China suspendeu totalmente suas compras de óleo de soja da Argentina, em abril, como represália à avalanche de medidas antidumping que afetam suas exportações de produtos industriais ao país. Mercadorias como calçados, motores para elevadores, corantes e acendedores de fogões passaram a ser sobretaxados nos últimos meses.

Além dos multiprocessadores, a Argentina aplicou ontem sobretaxa antidumping a tecidos de poliéster para a confecção de cortinas, que pagarão um valor mínimo de US$ 17,60 por quilo.

Na semana passada, após encontrar-se com o presidente da China, Hu Jintao, Cristina anunciou a obtenção de créditos chineses que somam US$ 10 bilhões para a revitalização do transporte ferroviário de cargas, a construção de uma rede de metrô na cidade de Córdoba (a segunda do país) e a modernização dos vagões do sistema de metrô de Buenos Aires, além de uma possível linha entre o centro da cidade e o aeroporto de Ezeiza. O crédito está condicionado à compra de material ferroviário fabricado na China.

A visita de Cristina, no entanto, foi criticada pela imprensa argentina pela falta de resultados na tentativa de retomada das importações de óleo de soja pelos chineses. Os produtores argentinos esperavam vender US$ 2 bilhões ao país asiático somente neste ano. Apesar dos apelos da presidente, a China se limitou a criar uma "comissão de alto nível" para estudar o assunto.

Por enquanto, o prejuízo ao agronegócio argentino tem sido relativamente limitado. A Índia tem absorvido a maior parte das exportações que seriam destinadas à China. O restante da produção tem sido direcionado ao biodiesel, cuja mistura ao diesel comum subiu de 5% para 7%.

Ao explicar a adoção das medidas antidumping, o Ministério da Indústria afirmou, em comunicado, que a participação de multiprocessadores de alimentos brasileiros e chineses no mercado argentino passou de 69% a 81% "nos últimos anos, aos custos da produção nacional, que perdeu rentabilidade devido aos preços desses produtos importados".

Fontes da diplomacia brasileira minimizaram o impacto da medida para Brasil e disseram que a maioria das importações já era de origem chinesa.

Há duas semanas, a Argentina foi acusada pela União Europeia, no conselho de mercadorias da Organização Mundial do Comércio (OMC), de dificultar as importações de alimentos processados sem respeitar as normas do comércio internacional.