Título: Ingresso não cobre déficit externo
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2010, Finanças, p. C8

A situação das contas externas brasileiras voltou a piorar no mês de junho. Pela primeira vez no ano, a entrada de recursos externos, tanto investimento estrangeiro direto (IED) quanto por meio da compra de ações, não foi suficiente para cobrir o déficit em transações correntes. Além do recuo dos estrangeiros, houve uma explosão das remessas de lucros e dividendos para as matrizes e também dos gastos brasileiros no exterior, que comprometeram ainda o Balanço de Pagamentos.

Somados, o IED e as aplicações em papéis domésticos trouxeram US$ 3,761 bilhões para o país, em junho, contra déficit de US$ 5,180 bilhões na conta corrente do Balanço de Pagamentos - pior resultado para meses de junho na série histórica, iniciada em 1947. O saldo negativo em transações correntes, que mede a entrada e saída de recursos do país, também foi recorde para o acumulado de janeiro a junho (US$ 23,762 bilhões) e para os últimos 12 meses (US$ 40,887 bilhões), levando o déficit como proporção do PIB para 2,47%.

As prévias do Banco Central para este mês de julho apontam uma ligeira melhora no quadro externo, com estimativa de que o déficit recue para US$ 3,7 bilhões em julho. O IED até o dia 22 está em US$ 1,6 bilhão, podendo chegar a US$ 2 bilhões, enquanto os investimentos em ações no país somam US$ 2,286 bilhões até o dia 22. Para o ano, a previsão do déficit em conta corrente foi mantida em US$ 49 bilhões, ou 2,5% do PIB.

A entrada de recursos estrangeiros para investimento direto até o momento está abaixo do esperado pelo Banco Central. Por outro lado, um dos pontos que mais contribuíram para a deterioração das contas externas é a saída recorde de recursos por meio das remessas de lucros e dividendos, que atingiu US$ 4,796 bilhões em junho, recorde para o mês. No ano, acumula US$ 14,967 bilhões, também o maior valor da série histórica, com expectativa de fechar o ano em US$ 32 bilhões.

Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) esses dois resultados podem estar associados ao quadro de dificuldades da recuperação dos países desenvolvidos, agravado pela situação da economia europeia, que pode ter induzido as matrizes a absorver recursos das filiais.

"É preciso aguardar os resultados dos próximos meses para confirmar essa hipótese, mas se estiver correta, a análise desagregada sugere que a indústria está enfrentando mais dificuldades, já que foi responsável por 58,4% do total dessas remessas (contra 40% do setor de serviços e somente 2% da agricultura e setores extrativistas)", diz o IEDI, em relatório.

Os setores que mais remeteram recursos para as matrizes em outros países foram empresas de veículos (US$ 920 milhões), produtos químicos (US$ 599 milhões) e do setor de eletricidade e gás (US$ 585 milhões).

Os gastos de brasileiros com viagens ao exterior também atingiram volumes nunca vistos, US$ 1,325 bilhão no mês e US$ 7,050 bilhões no acumulado do ano. Dados preliminares apontam que a tendência se mantém para o mês de julho (US$ 1,135 bilhão até o dia 22).

O Banco Central continua afirmando que não há problemas para fechar as contas em moeda estrangeira. Segundo o chefe do departamento econômico, Altamir Lopes, além do IED e do investimento em carteira (ações e títulos), as taxas de rolagens dos empréstimos continuam elevadas. "Não enxergamos problemas para financiar o Balanço de Pagamentos", disse.