Título: À espera da liberdade
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2010, Mundo, p. 16

Emoção, felicidade e incerteza marcam os familiares de presos políticos que serão soltos nas próximas horas e viajarão para a Espanha. Estados Unidos e União Europeia elogiam decisão do regime castrista e ativista suspende jejum que durava 135 dias

Por três vezes, Moralinda Paneque Martines, 74 anos, pôde ouvir ontem a voz do filho. Dessa vez, a saudade deu lugar à alegria. Do outro lado da linha, o jornalista e cirurgião José Luis García Paneque, 42 anos, estava radiante com a tão sonhada liberdade. Para mim, é uma alegria muito grande. Ele está preso há sete anos. Estou contente e muito emocionada, disse ao Correio, por telefone, da cidade de Amancio Rodríguez, a 640km de Havana. Acredito que a situação aqui em Cuba vai mudar, pois a Igreja Católica tem nos ajudado muito nesse aspecto, afirmou. Sem precisar quando ocorrerá a libertação, Moralinda contou à reportagem que o filho está feliz com a remoção para a Espanha. Por enquanto, a mãe não sabe se o acompanhará na mudança definitiva de pátria. Esses sete anos foram muito duros, admitiu. De acordo com ela, as visitas à prisão de Las Mangas, em Bayamo, tornaram-se cada vez mais frequentes. Antes, eu viajava a cada três meses. Depois, a cada 45 dias. Mais recentemente, o intervalo era de um mês, comentou.

Na cidade de Ciego de Ávila (centro), a 208km de Moralinda, a visita semanal à prisão provincial de Morón teve ontem um sabor diferente. Oleidys García, 38 anos, conversava com o marido, o também jornalista Pablo Pacheco Ávila. Durante a visita, o cardeal Jaime Ortega (leia o Personagem da Notícia) nos telefonou e disse que, entre os primeiros cinco presos que serão liberados e viajarão para a Espanha, estava Pablo, relatou à reportagem, também por telefone. Ainda não sabemos o que vai se suceder. O cardeal ficou de nos passar mais instruções nas próximas horas, acrescentou. Oleidys descreveu a reação do marido. Pablo estava muito tenso, nervoso. Não pensávamos que ele pudesse ser um dos primeiros a ser solto. Ele dizia que dava graças ao cardeal por suas gestões junto ao governo de Cuba e que Deus estava no meio de todas as coisas, agindo de alguma maneira, contou. Ela ainda não sabe se será obrigada a abandonar Cuba, mas vislumbra oportunidades profissionais para o marido. Antes de Pablo cair na prisão, ele não encontrava emprego aqui.

Além de José Luis García e de Pablo, ganharão a liberdade em breve o economista Antonio Augusto Villareal Acosta, o jornalista Lester González Pentón e o médico Luis Milán Fernández todos os cinco fazem parte do grupo de 53 prisioneiros de consciência. Nos próximos quatro meses, o governo do presidente Raúl Castro deverá conceder anistia a outros 47 presos, segundo acordo firmado com o cardeal Jaime Ortega. Os cinco presos poderão sair rumo à Espanha nos próximos dias, afirmou a Arquidiocese de Havana, por meio de um comunicado entregue à imprensa. O anúncio foi o bastante para que o jornalista, psicólogo e ativista Guillermo Fariñas abandonasse ontem a greve de fome, que já durava 135 dias (leia abaixo).

Reação A comunidade internacional reagiu com entusiasmo comedido às prováveis libertações. Por meio de um porta-voz, Catherine Ashton, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), aplaudiu o gesto e disse esperar uma rápida implementação do mesmo. A UE deseja que este processo de diálogo entre a Igreja e Havana leve a uma solução duradoura, que permita a libertação de todos os presos políticos em Cuba, completou o porta-voz, citado pela agência de notícias France-Presse. O governo norte-americano, inimigo histórico do regime castrista, foi econômico ao considerar o impacto da medida. É algo tardio, mas, no entanto, bem-vindo, declarou a secretária de Estado, Hillary Clinton. Ela considerou o anúncio um sinal positivo.

Analistas consultados pelo Correio também fizeram uma avaliação cautelosa da concessão de Raúl Castro. O cubano Sebastian Arcos, professor de relações internacionais da Universidade Internacional da Flórida e ex-prisioneiro político, revelou-se bastante cético em relação a outros gestos conciliatórios por parte de Havana. Uma advertência importante é se esses presos serão libertados sob a condição de que abandonem a ilha, uma prática tradicional do regime, admitiu. Devemos esperar pela libertação deles, antes de celebrar, acrescentou.

O americano Mark Falcoff, especialista do American Enterprise Institute e autor de Cuba, a manhã seguinte, explicou que o regime castrista sempre oferece um ou mais prisioneiros a alguma celebridade estrangeira. É um gesto magnânimo, a fim de ganhar prestígio e credibilidade, comenta, citando concessões ao ex-presidente francês François Miterrand, ao oceanógrafo Jacques Costeau e ao senador norte-americano Ted Kennedy. Isso não representa uma abertura na ilha. Pelo contrário: assim que a excitação e o interesse da imprensa diminuírem, haverá novos prisioneiros, alertou Falcoff.

Ouça as entrevistas com Moralinda Paneque Martines, Oleidys García e Alicia Hernández (mãe de Guillermo Fariñas)

Personagem da notícia O homem do diálogo

Líder indiscutível da Igreja Católica em Cuba, o cardeal Jaime Ortega, 73 anos, de sorriso permanente e modos suaves, possui mão firme e paciência de Jó, que lhe valeram a chave das prisões políticas da ilha. Sacerdote aos 28 anos, bispo aos 34, recebeu o título cardinalício aos 58 do papa João Paulo II.

O segundo cardeal na história de Cuba estabeleceu um diálogo sem precedentes com o presidente Raúl Castro, no último dia 19 de maio, sobre presos políticos e outros assuntos internos.

Acostumado a andar sobre as águas turbulentas das relações entre a Igreja, a única instituição legal distante do governo ideologicamente, Ortega se tornou arcebispo de Havana e porta-voz excepcional das decisões oficiais sobre prisioneiros.

Eu acho...

Fotos: Arquivo pessoal

O chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos, simpatizante de Raúl Castro, garantiu a Havana que apenas com a libertação desses 52 presos ele poderia convencer a União Europeia a adotar uma posição mais flexível em relação ao regime. A situação econômica em Cuba é um desastre, e o governo está desesperado para renovar os laços com grandes países europeus.

Mark Falcoff, especialista em América Latina pelo American Enterprise Institute

O mais importante nessa decisão é que ela incluirá a libertação de todos os sentenciados após a infame Primavera Negra de 2003, quando 75 oponentes pacíficos foram condenados a muitos anos de prisão, alguns a mais de 27 anos. Muitos têm sido declarados prisioneiros de consciência por grupos de direitos humanos, e a imagem do regime cubano tem sofrido danos.

Sebastian Arcos, professor da Universidade Internacional da Flórida e ex-preso político cubano

Fariñas encerra greve

Yoani Sánchez/Divulgação Guillermo Fariñas recebeu ontem o primeiro copo de água, após 135 dias

Entrevista ao Correio

Foi debaixo de chuva que os opositores cubanos comemoraram ontem o fim da greve de fome e de sede do psicólogo e jornalista Guillermo Fariñas. Sem comer e beber havia 135 dias, ele recebeu o primeiro copo de água no início da tarde, no Hospital Provincial Armando Millian Castro, em Santa Clara a 268km de Havana. A ativista Yoani Sánchez estava lá e enviou fotografias de Coco Fariñas por meio do microblog Twitter. Estou aqui para dizer a Coco Fariñas que ele conseguiu. Sem mais mortes. Pátria e viva!, escreveu Yoani.

Licet Zamora, porta-voz de Fariñas, divulgou uma carta ditada pelo psicólogo. Este confronto entre democratas e antidemocratas não tem vencedores, nem vencidos; só Cuba, nossa pátria, ganhou, afirma a nota. Até o fim do prazo dado pelas autoridades à alta hierarquia católica, eu interrompo minha greve de fome e de sede. Fariñas havia iniciado seu protesto em 26 de fevereiro de 2010, em repúdio à morte do ativista Orlando Zapata Tamayo.

Mãe Por telefone, Alicia Hernández, mãe de Fariñas, disse ontem ao Correio que está um pouco mais tranquila, mas preocupada. Ele corre perigo de morte. Mas agora os médicos não vão mais colocar os catéteres, que provocaram cinco infecções bacterianas e um trombo na jugular, explicou. Segundo ela, os especialistas deverão dar glicose e antibióticos ao filho. A dieta dele vai começar com água, depois será adicionado chá. Se ele não apresentar diarreia ou intoxicação, os médicos avançarão no tipo de alimento administrado.

Em entrevista ao Correio, em 19 de março, Fariñas acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser tão assassino quanto os irmãos Raúl e Fidel Castro. Lula demonstrou que suas afinidades ideológicas estão acima da vida dos seres humanos. Faltou-lhe respeito a um defunto, como Orlando Zapata, disse. (RC)