Título: Giro a estrangeiro já gerou disputas no BNDES
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/07/2010, Agronegócios, p. B11

Um parecer da área jurídica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) emitido dia 17 de novembro de 2008, a propósito da criação do Programa Especial de Crédito (PEC) para financiar capital de giro às empresas pressionadas pela crise internacional diz que o financiamento para empresas "de controle externo" só poderia ser feito com recursos captados no exterior.

Fontes ouvidas pelo Valor entendem que o PEC - limitado a R$ 50 milhões para operações indiretas, podendo chegar a R$ 200 milhões em operações diretas - foi um programa com características semelhantes ao recém-criado Programa de Apoio ao Setor Sucroalcooleiro (PASS), do qual o banco excluiu inicialmente as empresas de capital estrangeiro e depois voltou atrás.

Com dotação de R$ 6 bilhões, o PEC foi um financiamento para capital de giro, como o PASS, embora com taxas de juros superiores, criado para vigorar de 1º de dezembro de 2008 a 30 de junho de 2009. Duas semanas antes da entrada em vigor, a área jurídica produziu uma nota com o objetivo de "analisar de forma sucinta (...) as restrições à concessão de crédito para empresas de controle estrangeiro, tendo em vista a criação do Programa Especial de Crédito - PEC-BNDES..."

Em seguida, a nota analisa as três normas legais que interferem no financiamento a empresas de controle estrangeiro pelo BNDES. A lei 4.131/62, que, no artigo 37, limita o financiamento de bancos públicos a empresas de capital estrangeiro a "ativos fixos" de setores de "alto interesse nacional". O decreto nº 2.233/97, que define uma vasta gama de setores de alto interesse nacional. E, finalmente, o decreto nº 55.762/65 que, ao regulamentar a lei 4.131/62, permite aos bancos públicos financiarem "novas inversões a serem realizadas no ativo fixo" de empresas de controle estrangeiro, desde que com recursos captados no exterior.

No BNDES, os financiamentos com recursos externos são historicamente corrigidos com base na variação de uma cesta de moedas e não com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

Após mencionar os trechos dos três regulamentos relacionados ao tema, a nota diz que "no que tange a empresas de controle estrangeiro, historicamente a Área Jurídica tem se manifestado no sentido de que seu acesso aos recursos internos do BNDES somente é permitido quando o financiamento é destinado a novas inversões no ativo fixo e a empresa exerce atividade incluída no Decreto 2.233/97".

Outro entendimento da área jurídica do banco estatal é o de que ele só pode financiar "investimento fixo" de empresa que não esteja entre os setores prioritários com "fonte de recursos externa".

Com base nessas duas observações, a nota conclui: "Assim, tendo em vista que a legislação que rege a matéria permite tão somente a aplicação de recursos internos para investimentos em ativo fixo e, ainda assim, para empresas cuja atividade tenha sido considerada de alto interesse nacional, entendemos que, em relação às empresas de controle externo, o PEC-BNDES deve prever que a fonte de recursos será necessariamente a captação externa do BNDES, independentemente da atividade exercida pela empresa".

Nos textos de divulgação do programa no site do banco não consta nenhuma ressalva dessa ordem, apenas a de que o PEC não abrangia o setor de construção civil.

No caso do PASS, destinado a financiar capital de giro para estocagem de álcool combustível, conforme o Valor noticiou na edição de 13 de julho de 2010, a Secretaria de Gestão da Carteira Agropecuária (Seagri) do banco chegou a divulgar aviso n º 9/2010, informando que as empresas de controle estrangeiro estavam excluídas do programa. O entendimento era que elas não poderiam receber recursos destinados a capital de giro. Três dias depois, o aviso nº 10/2010 tornava sem efeito o anterior.

O assunto gerou polêmica no banco estatal e foi debatido na reunião de diretoria da instituição realizada no mesmo dia da publicação da reportagem. Também naquele dia, o BNDES divulgou uma nota informando estar "assumindo, no caso específico do etanol, estocagem como item de investimento".

A nota dizia ainda que a interpretação estava baseada em "classificação do sistema de contas nacionais do IBGE" que considera como investimento a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, inversões em máquinas, equipamentos e edificações) mais a variação dos estoques, embora para efeito da definição da taxa de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) seja considerada apenas a FBCF.

O BNDES não quis se pronunciar ontem, considerando que a nota divulgada no dia 13 encerrou o assunto, mas há setores no banco que temem a possibilidade de a legislação não haver sido cumprida nos programas de capital de giro realizados nos últimos anos. O Valor procurou o Banco Central (BC), responsável pela fiscalização do BNDES, desde o dia 12 deste mês, mas até ontem não obteve nenhuma resposta.