Título: Copom tenta convencer o mercado do ajuste da Selic
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Fonte: Valor Econômico, 30/07/2010, Opinião, p. A12

Uma das mais esperadas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), a da reunião da semana passada, divulgada ontem, esforça-se em explicar por que o Banco Central desacelerou o ritmo de ajuste da taxa básica de juros (Selic), surpreendendo a maior parte dos analistas de bancos e consultorias.

Desde o início da crise, o mercado não tem sido muito bem-sucedido em prever os rumos da política monetária. As providências tomadas pelo Banco Central (BC) para irrigar a economia entre o fim de 2008 e início de 2009 foram inicialmente criticadas, mas acabaram sendo replicadas em outras partes do mundo. Também houve contrariedade quando começaram a ser desmontadas as medidas fiscais e monetárias que apoiaram a economia doméstica ao longo da crise.

O Copom foi mais conservador do que a média dos analistas esperava ao iniciar o ciclo de aperto monetário em abril, quando elevou a Selic em 0,75 ponto para 9,5% ao ano, interrompendo nove meses de estabilidade. Na reunião seguinte, em junho, repetiu a dose e levou a taxa para 10,25%. Na semana passada, voltou a surpreender, desta vez por ser menos conservador, ao ajustar a Selic em 0,5 ponto, para 10,75%, quando muitos contavam com mais 0,75 ponto.

Uma visão positiva para a inflação e a perspectiva de que o nível de atividade está perdendo o gás influenciaram a dosagem da Selic. Na ata divulgada ontem o Copom exibiu todo o arsenal de ferramentas que possui para avaliar os cenários interno e externo, que é especialmente importante em um momento de alta volatilidade na economia, em que as mudanças de cenário são rápidas. O Brasil é carente de indicadores antecedentes confiáveis e é o Banco Central que reúne mais informações. Uma das ferramentas que cumpre melhor esse papel é o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que simula a evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Depois de exibir crescimento acentuado no primeiro trimestre, o IBC-Br desacelerou em abril (0,3% de expansão) e estabilizou em maio.

Segundo o Copom, "a evolução do IBC-Br, bem como de outros indicadores de atividade, sugere que a economia pode haver entrado em ritmo mais condizente com taxas de crescimento avaliadas como sustentáveis em longo prazo, ao contrário do verificado no primeiro trimestre".

No relatório de inflação, o Banco Central (BC) reestimou a expansão do PIB neste ano para 7,3%. Isso não significa que a economia vai explodir o ano inteiro. Dado o "carry-over" de 2009 e o forte desempenho do primeiro trimestre, basta que o PIB cresça 0,5% a 0,6% por trimestre, de julho a dezembro, para chegar ao projetado. Anualizada, a taxa de crescimento do segundo semestre pode ficar ao redor de 2,5%, abaixo portanto do PIB potencial.

Para o Copom, a economia brasileira está, portanto, desacelerando, reduzindo a pressão sobre a inflação, em função da reversão dos estímulos introduzidos durante a crise financeira internacional e da mudança da política monetária. Também contribuiu para essa perspectiva a maior probabilidade de "desaceleração do já lento processo de recuperação em que se encontram as economias do G-3", Estados Unidos, União Europeia e Japão. Anteriormente, o Copom dava mais atenção aos outros mercados emergentes.

Também influenciou a decisão do Copom o comportamento do crédito. Apesar de o saldo ter crescido 2% em junho para R$ 1,529 trilhão, registrando expansão de 8,1% no ano e de 19,7% em doze meses, é o crédito direcionado (BNDES e financiamento imobiliário) que determina esse resultado. No caso das pessoas físicas, as novas concessões de crédito dão um retrato melhor do que está acontecendo: diminuíram 0,5% em junho e 6,6% no segundo trimestre.

Embora o tom da mais recente da ata da reunião do Copom seja menos enigmático do que o habitual, manteve aqui e ali a ambiguidade tradicional e não serve, portanto, de bússola para os próximos passos da Selic. A ata diz, por exemplo, que "são decrescentes os riscos para a consolidação de um cenário inflacionário benigno", com "efeito desinflacionário" do front externo, mas não deixa de lembrar que a economia manterá a trajetória de expansão, com o risco de "esgotamento da margem de ociosidade na utilização dos fatores de produção".

Também deu pistas contraditórias no trecho da ata que trouxe para o debate a previsão de que a inflação deve convergir para o centro da meta no primeiro semestre de 2012, mas ficará acima em 2010 e 2011, no cenário de referência do BC. Normalmente, o cenário de 2012 só passaria a ser considerado em dezembro.