Título: Conflito barra expansão da TV a cabo no país
Autor: Brigatto , Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2010, Empresas, p. B3

Pendências regulatórias, discordâncias do ponto de vista concorrencial, preço das licenças e limitação de capital estrangeiro são algumas das amarras que atrasam o andamento do processo para expansão do serviço de televisão por assinatura a cabo no Brasil.

O jejum de dez anos no setor, sem a liberação de novas licenças do serviço por cabo pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a baixa penetração do serviço, presente em apenas 2,7% dos municípios brasileiros, e a fila de mais de mil pedidos de outorgas que possibilitariam a expansão para centenas de municípios não foram suficientes para desatar os nós desse mercado.

O setor calcula que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) arrecadou por volta de R$ 953 milhões no leilão com as outorgas concedidas entre 1998 e 2000. A empresa que desse o lance mais alto levava a licença. A Horizon, por exemplo, gastou R$ 14,5 milhões em outorgas para 13 cidades. Posteriormente a empresa foi adquirida pela Vivax, hoje pertencente à Net Serviços. A RCA TV desembolsou R$ 8,5 milhões em 19 outorgas.

Agora, a Anatel quer mudar a regra. Uma decisão em caráter cautelar expedida em maio extinguiu o leilão de licenças de TV a cabo. A expedição de novas licenças está atrelada à aprovação da Proposta de Alteração do Planejamento do Serviço de TV a Cabo, em trâmite na Anatel desde 2004. Procurada pelo Valor, a agência não quis dar entrevista sobre o assunto. O documento, publicado no site da agência, indica que qualquer interessado pode pedir uma autorização para iniciar uma operação. Basta pagar uma taxa de R$ 9 mil, referente a despesas administrativas da agência. Os pedidos precisam indicar a região ou município onde o serviço será oferecido. Numa aritmética simples, a Anatel arrecadaria apenas R$ 9,66 milhões desta vez.

Muitos perguntam no mercado se governo está realmente disposto a abrir mão de uma potencial receita que pode atingir bilhões de reais para cobrar apenas taxas equivalentes a cerca de 1% do que arrecadou no passado.

A Anatel se viu numa encruzilhada. As operadoras tanto de telecomunicações quanto de TV aberta e por assinatura, e suas respectivas associações mantêm uma batalha que já não se restringe apenas aos bastidores na defesa de seus interesses. Não é fácil uma fórmula conciliatória. Com a proposta de novas licenças, o que parecia ser um alento para o setor e um estímulo para o crescimento do mercado acabou virando um problema. "Se for feita uma liberação como a Anatel está propondo, vai ser o caos", diz Ricardo Grille, sócio da RCA TV, que atua em 24 municípios de cinco Estados.

Enquanto a agência silencia, as dúvidas e críticas dos executivos do setor vão se acumulando. Por exemplo, os postes têm uma limitação física para suportar cinco cabos das operadoras. E se houver uma sexta empresa interessada, como fica o direito de passagem nos postes? Será possível alugar rede de outras empresas para oferecer o serviço? As teles terão direito a comprar licenças?

"As empresas de TV a cabo já fizeram os investimentos considerando as regras existentes e pagaram alto valor pelas licenças", afirmou em teleconferência com jornalistas em 20 de julho, José Antônio Félix, presidente da Net Serviços. O executivo criticou o valor de R$ 9 mil estabelecido, o que, segundo ele, é "quase nada" se comparado ao que as grandes operadoras tiveram que desembolsar no passado.

Para o presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg, a "liberação geral" proposta pela Anatel facilitará a formalização de serviços hoje ilegais. Por isso, diz que os critérios para licenças devem ser muito rigorosos. Grille, da RCA TV, acrescenta que existe o risco de que grupos formados por policiais, ex-policiais e agentes de segurança que atuam nas favelas do Rio de Janeiro e na baixada fluminense, as milícias, usem as licenças para legalizar operações pirata de TV.

A ABTA enviou pedido de esclarecimentos à agência em maio, insistindo em outra consulta pública para que os interessados se manifestem. Segundo Annenberg, a Anatel respondeu, semana passada, que iniciaria imediatamente a análise dos mais de mil pedidos pendentes, o que descarta a consulta. Mas, para ele, muitos pontos continuam obscuros.

A diretora de relações institucionais e desenvolvimento de negócios da Telefônica, Leila Loria, discorda dos argumentos da ABTA. Uma nova consulta pública só atrasaria todo o processo. Se a licença do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que permite a oferta de acesso à internet, por exemplo, custa R$ 9 mil, por que não o mesmo para TV a cabo, que não é serviço público, indaga Leila. A executiva cita relatório do conselheiro da Anatel, João Batista de Rezende, que ela considera ousado por acatar parecer do procurado-geral da agência, Marcelo Bechara, ao dizer que TV a cabo não é um serviço público.

"Assim como o serviço de TV a cabo não utiliza recurso escasso e é prestado em regime privado, bem como a legislação pátria exige a concorrência e veda o monopólio na prestação desse serviço, não deve haver qualquer limitação ao número de prestadoras em cada área de atuação, o que acarreta a inexigibilidade de licitação", escreveu Rezende como relator do ato de concentração que aprovou, com restrições, a compra da Blumenau TV a Cabo pela Net, e que suspendeu a necessidade de licitação para a venda de licenças de TV a cabo, em maio.

Leila lembra ainda que Net e TVA não pagaram pelas licenças que receberam antes das primeiras licitações da agência. Então, não teriam por que reclamar de taxas baratas para todos agora. Entretanto, o vice-presidente jurídico e de relações institucionais na Net, André Müller Borges, explica: "Pagamos metade do que a Anatel arrecadou nas novas licenças." Isso significa cerca de R$ 500 milhões desembolsados para aquisição de operadoras que, anteriormente, haviam investido milhões de reais para comprar licenças da Anatel e atuar em cidades grandes.

A diretora da Telefônica diz ainda que, como empresa dominante no mercado de cabo, a Net quer mais licenças, mas não a entrada de mais concorrentes. Borges responde que em serviços regulados as ações têm que ser feitas dentro da regularidade e que a Telefônica, embora tenha entrado mais recentemente no segmento, está conquistando participação.

A Net tem interesse em expandir o serviço para o Nordeste, o que garantirá à empresa presença nacional. "Queremos novas licenças urgente, mas tem que ser condição essencial a aprovação do PLC 116 (projeto de lei que permite a entrada das teles em TV paga). Até abrimos mão da correção de imperfeições para que ande logo", afirmou o executivo. Segundo ele, o concorrente quer licenças para cabear seletivamente bairros nobres de São Paulo.

Para evitar esse tipo de estratégia, o professor da Fundação Getúlio Vargas/SP, Arthur Barrionuevo Filho, diz que é preciso estabelecer regras para obrigar as operadoras a atender a todas as áreas, e não apenas as de alto poder aquisitivo.