Título: Meio bilhão em multas pelo ralo
Autor: Mello, Alessandra
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2010, Política, p. 2

Alterações na legislação eleitoral feitas recentemente tornam mais estreito o prazo de fiscalização de doações irregulares. Como a decisão é retroativa, joga no lixo, segundo procuradores, o trabalho feito em outras eleições

Cerca de meio bilhão em multas aplicadas pela Justiça Eleitoral por doações irregulares feitas por pessoas físicas e jurídicas desde as eleições de 2006 vão redundar em nada por causa de uma mudança feita pela Justiça Eleitoral há menos de dois meses. Quem alerta é o procurador regional eleitoral de Minas Gerais, Felipe Peixoto Braga Netto, crítico das mudanças recorrentes nas regras eleitorais.

¿A instabilidade nas decisões judiciais é imensa¿, lamenta o procurador, citando alterações recentes feitas pelo Congresso, por meio da minirreforma eleitoral aprovada em setembro, e pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As mudanças foram feitas faltando menos de um ano para a disputa, muitas delas retroativas. O procurador cita ao menos três casos que, em sua avaliação, comprometem a legitimidade das eleições.

Uma delas, segundo ele, é a redução drástica do prazo para a propositura da ação a respeito das doações irregulares feitas acima dos tetos estabelecidos pela lei (2% do rendimento bruto para pessoas jurídicas e 10% para físicas). No entendimento em vigor até maio, tais ações poderiam ser propostas até o fim do mandato. Agora, o prazo máximo é de seis meses (180 dias) a partir da diplomação dos candidatos eleitos em outubro.

Segundo Felipe Peixoto, essa decisão pode anular a espantosa cifra de R$ 500 milhões de multas aplicadas em todo o Brasil por doações irregulares resultantes de cerca de 5 mil ações propostas pelo Ministério Público em todo o país. ¿Se considerarmos as multas aplicadas no país, relativamente às doações irregulares, chegaremos na cifra de R$ 500 milhões. Só aqui em Minas obtivemos uma condenação de quase R$ 15 milhões.¿

Legitimidade De acordo com o procurador, essa não é a única dificuldade para atuação da instituição, principalmente no que diz respeito a contas de campanha, imposta por mudanças abruptas das regras eleitorais. Até ano passado, segundo ele, as ações de investigação por causa de contas de campanha podiam ser propostas a qualquer tempo, até o fim dos mandatos, regra em vigor desde 1997. Esse também era o entendimento do TSE, mas partir da minirreforma eleitoral, aprovada em setembro do ano passado pelo Congresso Nacional, esse prazo foi reduzido para 15 dias, contados a partir da data de diplomação dos eleitos.

¿É realmente difícil compreender o porquê de mudanças assim. Isso claramente dificulta o controle(1) da normalidade e da legitimidade das eleições.¿ Segundo ele, essa redução é desnecessária e ofende a proporcionalidade. ¿É difícil tutelar a lisura do processo eleitoral com normas como essa.¿ Pela legislação, os candidatos têm 30 dias depois das eleições para apresentar as contas de campanha para a Justiça Eleitoral, que têm de estar julgadas até oito dias antes da diplomação. ¿Portanto, temos uma estreitíssima margem de apenas três semanas, após a primeira apreciação judicial das contas, para ajuizamento de representação.¿

O procurador destaca que uma representação dessa natureza ¿não pode e não deve ser feita sem uma análise detida e atenta¿ das informações. ¿Muitas vezes precisamos diligências acerca dos meios de arrecadação de recursos e o perfil dos gastos efetuados para que se possa, com mínima margem de segurança, identificar irregularidades. E isso vale para o universo de todos os eleitos.¿ Além desse prazo curto, o procurador aponta outra dificuldade. É que, segundo ele, os partidos têm até o ano seguinte das eleições para prestar contas, o que impede que seja feito um confronto entre gastos das legendas e balanços apresentados pelos candidatos, pois já expirou o prazo para a impugnação.

Instabilidade O advogado eleitoral Wederson Advincula cita outras decisões conflitantes que, em sua avaliação, tumultuam a eleição e causam instabilidade para quem atua em defesa dos eleitores. Segundo ele, conviviam na Justiça dois prazos conflitantes para a apresentação de recurso em condenação por compra de voto. Para a Justiça eleitoral mineira, o prazo era de 72 horas; para o TSE, 24 horas. ¿Esse conflito persistiu e gerou cassações, como a do prefeito de Mariana, Roque Camelo (PMDB), eleito em 2008, até que o TSE decidiu padronizar o assunto, e estabelecer o prazo de três dias¿, comenta o advogado.

Ele também critica o prazo de 180 dias para propor ações por doações irregulares. ¿Esse prazo não existe na lei e não deveria ser criado pela Justiça Eleitoral do nada.¿ Parte desse problema ele atribuiu à falta de uma reforma eleitoral de consistência e de um juizado eleitoral especializado e permanente. ¿A Justiça eleitoral encarna os Três Poderes em um só. Ela é a única que administra, legisla e julga questões eleitorais.¿

1 - Redução de danos Para identificar muitas irregularidades, o Ministério Público depende do cruzamento de informações prestadas pelos candidatos à Justiça Eleitoral com dados da Receita Federal sobre o faturamento das empresas e do Imposto de Renda dos doadores, o que muitas vezes exige tempo. O TSE já informou que pretende disponibilizar de forma mais rápida este ano, antes da diplomação dos eleitos, o cruzamento de dados sobre doações para viabilizar o trabalho de fiscalização do Ministério Público.

Isso claramente dificulta o controle da normalidade e da legitimidade das eleições¿

Felipe Peixoto Netto, procurador regional eleitoral de Minas Gerais

Entenda as mudanças

Investigação Eleitoral

Como era As ações de investigação eleitoral ¿ para apurar irregularidade nas contas de campanha ¿ fundamentadas no artigo 30-A da Lei nº 9.504/97 podiam ser propostas a qualquer tempo, até o fim dos respectivos mandatos. Esse também era o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral.

Como ficou As ações de investigação eleitoral só podem ser propostas em até 15 (quinze) dias contados da diplomação do candidato eleito.

Quem mudou Congresso Nacional, por meio da Lei nº 12.034, promulgada em 29 de setembro de 2009

Doações irregulares

Como era Não havia prazo na legislação para a propositura da ação a respeito das doações irregulares. A jurisprudência do TSE entendia que tais ações poderiam ser propostas até o fim do mandato, segundo a resolução nº 22.250/06.

Como ficou As representações fundadas em doações irregulares só podem ser propostas até 180 dias (seis meses) contados da diplomação dos candidatos. A decisão é retroativa, isto é, beneficia quem já foi condenado anteriormente.

Quem mudou Tribunal Superior Eleitoral

Contas rejeitadas

Como era O TSE entendia que as contas rejeitadas impediam a obtenção da quitação eleitoral

Como ficou Atualmente, as reprovações, pela Justiça Eleitoral, das contas de campanhas não impedem a obtenção da quitação eleitoral. Assim, quem teve as contas reprovadas está quite com a Justiça Eleitoral. Só não está quite quem deixa de prestar as contas

Quem mudou Congresso Nacional