Título: Após 5 anos, um registro na carteira
Autor: Máximo , Luciano
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2010, Brasil, p. A4

Faz oito anos que Jaciara Gomes de Souza, de 26 anos, não frequenta a escola. Terminou a 8ª série atrasada, aos 18 anos, ainda quando estava em Vitória da Conquista, no centro-sul da Bahia. Na sua cidade natal sempre foi babá e empregada doméstica. Em São Paulo há cinco anos, ela só conseguiu trabalho como diarista, na informalidade. Mas sempre teve vontade de trabalhar com carteira assinada. "É a coisa mais correta, tem benefícios, segurança", explica.

No começo deste ano, Jaciara ficou desempregada e conheceu a realidade do mercado de trabalho da cidade grande. "Uma amiga me falou que tinha um curso de informática de graça, aprendi a usar o computador, fazer meu currículo. Não se usa isso na Bahia." O próximo passo foi "fazer fichas" nas agências que terceirizam serviço na área de limpeza.

Para sua felicidade, o resultado até que não demorou: foram seis meses de procura e Jaciara começou a trabalhar no mês passado como auxiliar de limpeza em uma produtora de vídeos na zona sul da cidade. Agora que está com a carteira assinada, ela deixa a timidez de lado ao falar dos próximos passos. "Gosto de arte, é um sonho. Também gosto da área de atendimento, caixa", revela a trabalhadora. A baiana de Vitória da Conquista, que é casada e tem uma filha de quase dois anos, só não conhece muito bem os caminhos para realizar seus sonhos. Ela sabe que precisa de "mais estudo" para crescer profissionalmente, mas não tem perspectivas de voltar à escola tão cedo, ainda mais depois que não conseguiu vaga no supletivo.

Além disso, ela reclama que tem pouca informação sobre serviços públicos de capacitação, que poderiam lhe dar um empurrão - principalmente os cursos na área de atendimento e artesanato. "Quando estava desempregada conheci alguns lugares para cursos de informática, mas não podia pagar. Nem sabia que tinha um Telecentro da prefeitura perto de casa, onde o curso de informática me ajudou bastante."

Já a paulistana Bruna Oliveira, também de 26 anos, tem muito claro aonde quer chegar na carreira: dentro de seis, sete anos quer se tornar mestre de obra e ganhar um salário de mais de R$ 10 mil. E para chegar ao seu objetivo ela concilia teoria e prática, com mais foco no trabalho duro. "Dizem que é audácia, mas é meu sonho de criança. Sei que ainda tenho que entregar muitas obras para adquirir bagagem", enfatiza.

A receita é levada a cabo dia a dia. Atualmente, Bruna é encarregada de acabamento da construtora Serpal na obra de ampliação do Hospital Samaritano, na zona oeste de São Paulo, e comanda uma equipe de 70 "peões", conta. É sempre uma das primeiras a chegar e últimas a sair. "Hoje, por exemplo, tenho que entregar 12 banheiros. Não pode ter nenhuma falha, tenho que checar cada detalhe."

O ritmo puxado às vezes obriga Bruna a faltar à aula à noite, onde frequenta o segundo ano do curso técnico de edificações. Já participou também de programas de curta duração do Senai e outros oferecidos pela Serpal. "É importante continuar fazendo essas atualizações para atingir minha meta, mas não penso em entrar na faculdade, não me interessa ser engenheira."

De acordo com especialistas do mercado da construção, hoje um mestre de obra com boa experiência chega a ganhar mais que um engenheiro em início de carreira. Consciente de que ainda falta muito para atingir esse nível, Bruna se mostra satisfeita - ao menos por enquanto - com o salário de R$ 1.300 "na carteira". Nos últimos meses, ela até recusou uma oferta para ganhar R$ 1.800 em outra construtora. "Eu consigo tirar um pouco mais com as horas extras e, além disso, acho que é importante não ficar trocando de obra. Isso vai ser reconhecido lá na frente." (LM)