Título: Ata vai incorporar cenário de longo prazo
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Fonte: Valor Econômico, 06/08/2010, Finanças, p. C3

O objetivo primário do Banco Central no regime de metas de inflação está sendo alcançado: as expectativas de inflação que orientam a gestão da política monetária estão bem ancoradas até o início de 2012. Esse horizonte mais distante, introduzido na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), veio para ficar. Foi adotado para que a avaliação apresentada na ata seja consistente com o Relatório de Inflação que traz análises de prazos mais longos. Daqui para frente, a ata do Copom sempre fará referência ao cenário de inflação dois anos à frente.

Nesse horizonte mais longo, focado no primeiro semestre de 2012, as projeções do mercado sinalizam, como indicou a ata, inflação no centro da meta de 4,5% ou abaixo dela. Para 2011, a projeções, no cenário de referência e no de mercado, também são cadentes, como pontuou o Copom para quem "a dinâmica das projeções de inflação vai ao encontro da visão expressa no último Relatório de Inflação, no sentido de que, apesar de as mesmas haverem se elevado entre março e junho, na margem, ou seja, em junho, havia sinais de reversão do movimento".

A evolução das projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2010, 2011 e 2012, compiladas a partir da Focus, divulgada semanalmente pelo BC, indica eficiência da coordenação das expectativas pela autoridade monetária. A trajetória levemente declinante das projeções para 2010 não foi interrompida em qualquer momento, apesar dos ruídos provocados no mercado, sobretudo em julho, por posturas diferentes assumidas por economistas de bancos e consultorias e operadores de tesouraria com efeito direto nos juros futuros.

Os dados indicam que o BC está cumprindo a essência do regime de metas de inflação, adotado no país em 1999, que é ancorar as expectativas da sociedade com relação à inflação e não coordenar expectativas quanto à decisão que o Copom tomará sobre o juro básico do país - a taxa Selic.

O atual ciclo de aperto monetário teve início em abril. No começo de junho, quando o Copom promoveu a segunda elevação da taxa Selic em 0,75 ponto percentual, para 10,25% ao ano, a mediana das projeções para o IPCA de 2010, segundo a Focus, era de 5,70%. Logo após a reunião do Copom, a projeção deslizou a 5,62%. Após a ata da reunião de junho, a projeção era de 5,61%, declinando a 5,55% na cola da divulgação do Relatório de Inflação. Essa trajetória se manteve mesmo com a polêmica reunião do Copom de julho, quando o colegiado desacelerou o ajuste da Selic para 0,50 ponto, a 10,75% ao ano. No pós-Copom, a expectativa do mercado para o IPCA de 2010 recuou a 5,38% , passando a 5,27%, após a ata da última reunião. Nesse período, praticamente dois meses, o prognóstico do mercado para a inflação de 2011 ficou em 4,80% e, para 2012, em 4,50%.

O Copom, que toma decisão sobre o juro no segundo dia do seu encontro periódico, avalia as projeções em cenários de referência e de mercado, além de uma batelada de indicadores de alta frequência e de tendência. E leva em conta todos os dados disponíveis até a data da reunião. As atas refletem o momento da decisão. Não fazem previsões de futuro.

Para tomar decisões, o BC avalia efeitos transitórios e não transitórios que afetam o comportamento da atividade e da inflação, mas o foco da instituição é identificar onde a atividade e a inflação vão estabilizar. Neste momento, por exemplo, para o mercado, o crescimento econômico já aponta para o "potencial", expansão sem pressões inflacionárias, de 4,5% em 2011 - ano em que a projeção de inflação ainda supera a meta central, mas com chance de convergência.

A partir dos dados do início deste segundo semestre, o cenário apontado pelo mercado tende a ficar mais consistente. A partir daí, os fatores transitórios - tanto a favor do crescimento no primeiro trimestre do ano quanto no sentido da desaceleração do segundo trimestre - tendem a ser menos influentes no ritmo da atividade.

A injeção de cerca de R$ 100 bilhões de depósitos compulsórios sobre depósitos bancários, que teve seu auge de março para abril deste ano, terá se esgotado devido à reversão dessa medida anticíclica tomada pelo BC para atenuar os efeitos da crise financeira que eclodiu em 2008. Outro exemplo de fator transitório em mutação na atividade, via renda, é a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em preços de bens de consumo. A aquisição de veículos custará mais caro. Portanto, as compras vão absorver parcela maior da renda disponível das famílias.

Outro fator transitório com impacto em mutação é o impulso monetário. Esse impulso, decorrente do corte de juros promovido pelo BC em 2009, teve seu pico no primeiro trimestre deste ano, também colaborando para o vigor da atividade que começou a escorregar no segundo trimestre. Em contraponto, no segundo semestre, estará em curso o efeito da elevação da Selic, iniciada em abril. E a repercussão do aperto monetário não será trivial, uma vez que o Copom já elevou o juro em dois pontos percentuais.

Ao contrário do que pode parecer, dada a desaceleração no ajuste da Selic, o último aumento, anunciado pelo Copom em julho, não é irrisório. O aumento do juro básico em 0,50 ponto indicou, sim, desaceleração no ritmo do aperto, mas incidiu sobre o ajuste imediatamente anterior de 1,50 ponto, o que leva a um efeito cumulativo considerado importante.

De olho nesse panorama, o Copom se reunirá na virada de agosto para setembro e definirá a próxima Selic. Pode ocorrer ou não um novo ajuste da taxa. Grandes bancos avançam para um consenso em torno da manutenção da taxa. Mas o posicionamento dos bancos tem papel coadjuvante no cenário analisado pelo Copom, que avaliará os indicadores econômicos disponíveis até o último momento.

No Brasil, o regime de metas para a inflação foi estabelecido por um decreto presidencial (3.088), de junho de 1999. As metas são representadas por variações anuais do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o ano-calendário. Desde o ano de 2002, o Conselho Monetário Nacional define, até 30 de junho, a meta de dois anos à frente.