Título: Ação do Fed é tímida para estimular a economia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2010, Opinião, p. A14

A decisão do Federal Open Market Committee (Fomc), o comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), de injetar mais dinheiro no mercado, anunciada ontem, é coerente com a estratégia heterodoxa do governo de Barack Obama para enfrentar a crise econômica, radicalmente diversa da opção europeia pelo ajuste fiscal.

O Fomc informou que vai reinvestir o dinheiro apurado com a amortização do principal dos títulos garantidos por hipotecas que possui em carteira, comprados no início da crise. Os recursos serão usados para adquirir títulos do Tesouro de longo prazo, irrigando o mercado financeiro. Os juros foram mantidos no patamar histórico de baixa. O Fomc disse que a decisão foi motivada pela constatação de que "ritmo da recuperação econômica deve ser mais modesto do que se esperava".

De fato, na reunião anterior, em 23 de junho, as perspectivas eram bem diferentes. O comunicado da reunião do Fomc na época dizia que as informações disponíveis sugeriam que a recuperação da economia estava ocorrendo e que o mercado de trabalho melhorava gradualmente. Os gastos das famílias aumentaram, notou o Fomc, mas continuavam limitados pelo desemprego, crescimento modesto da renda e aperto do crédito.

Os piores temores do Fomc se confirmaram. Dados mais recentes mostram a desaceleração da recuperação econômica dos Estados Unidos. O Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 2,4% no segundo trimestre no cálculo anualizado, trazendo o resultado acumulado no semestre para 3%. O número está em linha com a previsão do comportamento da economia americana para este ano feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de crescimento de 3,3%. Mas foi o menor registrado desde o terceiro trimestre de 2009 (1,6%) e é inegável a desaceleração ocorrida quando se leva em conta que o PIB americano cresceu, em termos anualizados, 5% no último trimestre de 2009 e 3,7% no primeiro trimestre deste ano.

O consumo das famílias aumentou apenas 1,6%, inibido pelo elevado desemprego, aperto do crédito e falta de confiança, contrariando as perspectivas do Fomc em junho.

Desde o início da crise, os Estados Unidos perderam 8,5 milhões de empregos e o número de desempregados é de 27 milhões de trabalhadores. Dados de julho mostram que a taxa de desemprego se manteve em 9,5% pelo segundo mês consecutivo.

Apesar dos esforços do governo, o crédito continua escasso. O estoque de crédito ao consumidor caiu US$ 1,3 bilhão em junho, depois de ter encolhido US$ 5,3 bilhões em maio, de acordo com dados já revisados. Desde o pico de US$ 2,6 trilhões em maio de 2008, a oferta de crédito ao consumo encolheu US$ 200 bilhões, para US$ 2,4 trilhões atuais.

Os bancos estão retraídos por causa do aumento da inadimplência, que formou um bolo difícil de ser digerido. Os créditos problemáticos quase triplicaram desde a crise, de 1,66% das carteiras em 2007 para 3,29%, atualmente. Nem mesmo a limpeza dos balanços promovida pelo governo e pelos aumentos de capital venceram as resistências.

Além disso, as famílias continuam muito endividadas: o comprometimento das rendas com o pagamento de dívidas chegou a 22% no pico da crise e ainda está em 20% - um caroço também difícil de digerir por parte dos tomadores de crédito. O desalento do mercado imobiliário não ajuda em nada.

As finanças públicas não estão em melhor situação. Ao lado do crescimento anêmico, há um crescente déficit fiscal causado em boa parte pelos pacotes de ajuda ao setor financeiro. O déficit fiscal previsto para este ano é de 10,6% do PIB, ou cerca de US$ 1,5 trilhão.

Um dos maiores receios é que os Estados Unidos caiam na armadilha do Japão de juros baixos e estagnação por décadas. Setores preocupados com essa possibilidade apoiam novas medidas de injeção de recursos no mercado, o chamado afrouxamento quantitativo e a ampliação do balanço do Fed, que é de US$ 2,3 trilhões.

Mas dificilmente a medida anunciada ontem pelo Fomc fará diferença significativa nesse quadro. Os ganhos do Fed com a carteira de títulos são estimados entre US$ 100 bilhões e US$ 180 bilhões neste ano.

O volume é pequeno quando comparado aos US$ 3 trilhões já gastos para evitar a debacle financeira, o equivalente a 20% do PIB americano. O Fed voltará ao mercado até o fim do ano ou início de 2011 para aliviar o balanço dos bancos e poderá gastar, segundo estima o Goldman Sachs, mais US$ 1 trilhão.