Título: Argentina sonha ser o Kuwait dos ventos
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2010, Empresas, p. B10

Com certo exagero, há duas décadas, engenheiros impressionados com os fortíssimos ventos da Patagônia discutiam sobre a melhor forma de explorar o potencial eólico da região e converter a Argentina no "Kuwait do século XXI". Pouco se avançou desde então. Enquanto latino-americanos como Brasil e México deram seus primeiros passos na geração de energia eólica, a Argentina instalou apenas 30 megawatts (MW), o que equivale a 5% da capacidade brasileira. Em um distante 43º lugar no ranking mundial de aerogeradores, o país se manteria fora de qualquer clube digno do título de "Opep dos ventos", para decepção dos engenheiros que prognosticavam o contrário.

Mas isso está mudando rapidamente. Uma lei aprovada em 2009 deu prazo de dez anos para que energias renováveis não-tradicionais atinjam 8% da matriz elétrica argentina. O governo fez o primeiro leilão de projetos específicos e acaba de homologar os resultados. Foram confirmadas usinas eólicas que somam 754 MW de potência - além de outros 141 MW em projetos de térmicas movidas a biocombustíveis, pequenas centrais hidrelétricas e parques de energia fotovoltaica. Devem ser investidos 9 bilhões de pesos (cerca de US$ 2,2 bilhões) nos próximos 36 meses. Os incentivos legais incluem contratos com duração de 15 anos, isenção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e a depreciação acelerada de máquinas e equipamentos.

"Os ventos da Patagônia estão entre os melhores do mundo para a geração de energia eólica", diz o brasileiro José Eduardo Teixeira de Carvalho Filho, diretor de operações da Impsa Wind, empresa argentina que é uma das maiores fabricantes de equipamentos para o setor no mundo. Para provar o que está falando, ele apresenta algumas comparações. Na Europa, a maior parte da geração de eletricidade é feita com ventos de até seis metros por segundo (m/s). No Nordeste e no Sul do Brasil, a média é de 8,5 m/s. Na região austral da Argentina, as rajadas ultrapassam comumente 50 m/s. "Quanto mais forte o vento, maior a eficiência da usina. Isso pode ser compensado pelo tamanho da pá, mas não plenamente", diz.

Vários fatores contribuem para esse despertar tardio, mas ninguém questiona que um dos principais é a decadência da indústria argentina de petróleo e gás. Os combustíveis fósseis representam 57% da matriz elétrica nacional - mais de três vezes a participação de térmicas poluentes no Brasil - e o futuro não parece promissor. Em apenas dez anos, as reservas de gás da Argentina caíram 51%. Sem novas descobertas, elas se esgotarão até 2018, se a demanda continuar estável. Para piorar a situação, faltam investimentos em grandes hidrelétricas. Não se pensa em fazer das usinas eólicas a base do sistema elétrico, mas o governo descobriu que elas podem ter um papel relevante para dar mais equilíbrio à complicada equação energética.

Ao contrário do Brasil, o primeiro leilão específico de energias não-renováveis já encontrou uma indústria de equipamentos eólicos bem estruturada, que deve agora ganhar um novo impulso. Além da Impsa, que conseguiu emplacar quatro projetos com o total de 155 MW, a Argentina tem outras duas fabricantes nacionais de equipamentos: a Invap, cujo foco principal são as áreas nuclear e de defesa, e a NRG Patagonia, que testa seu primeiro aerogerador.

Curiosamente, no entanto, uma parte considerável dos novos projetos não está no sul do país. A Província de Buenos Aires terá quatro parques eólicos que somarão 274 MW de potência. La Rioja, no oeste da Argentina, está tocando seu próprio projeto. O governo local busca sócios privados para construir, em parceria, até 300 MW em usinas nos próximos quatro anos.

Na semana passada, durante visita da reportagem do Valor, eram montadas algumas das 12 turbinas de 2,1 MW cada que compõem o Parque Arauco - o primeiro fora da Patagônia. Até outubro, todo o complexo de 25 MW estará funcionando. Em 45 dias, haverá uma nova licitação para duplicar essa capacidade.

Aos pés da Cordilheira dos Andes, La Rioja tem um cenário quase desértico: vegetação rasteira, ar seco, nenhum rio perene que permita aproveitamentos hidrelétricos. Sem nenhuma geração própria de energia, resolveu fazer uma aposta nos ventos. E recebeu o apoio da opinião pública, graças ao apelo verde. "As variações climáticas têm sido cada vez mais extremas por aqui", relata o secretário provincial de Obras Públicas, Fernando Carvel. Há dois anos, a região sofreu os efeitos da pior seca em mais de sete décadas no país. Nos últimos dias, teve nevascas absolutamente atípicas.

Como todo programa em estágio inicial, o desenvolvimento da energia eólica na Argentina enfrenta obstáculos. No primeiro leilão brasileiro, em dezembro, o preço médio dos empreendimentos ficou em R$ 148,39/MWh. No país vizinho, alcançou US$ 140/MWh.

"Em última instância, o preço reflete uma questão de confiança dos investidores", afirmou ao Valor o presidente da Associação Argentina de Energia Eólica, Erico Spinadel. Há dúvidas ainda quanto ao financiamento de todos os projetos, uma restrição quase crônica do país nos últimos tempos. O especialista destaca outro problema: a rede de transmissão do país é deficitária e tem poucas linhas troncais.

"O ideal seria distribuir melhor os empreendimentos e construir alguns deles em locais mais próximos dos centros de consumo industrial", acrescenta Spinadel. Pode ser um tanto difícil, já que a própria associação argumenta que os ventos patagônicos têm o maior potencial do mundo em áreas continentais. Perto disso, só em ilhas do Mar do Norte e do Pacífico Norte, e em instalações off shore.

O repórter viajou a convite da Impsa