Título: Pobreza diminui, mas há muito a fazer na área social
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2010, Opinião, p. A14

O mais recente indicador da revolução que está havendo na pirâmide de renda da população brasileira é a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008 a 2009, divulgada há pouco. Um dos mais importantes resultados da pesquisa, realizada em 60 mil domicílios urbanos e rurais, entre maio de 2008 e maio de 2009, foi ter jogado nova luz sobre a pobreza no país.

Os dados da POF 2008/09 levaram o chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS da FGV) e articulista do Valor, Marcelo Neri, a afirmar que o número dos pobres no Brasil é inferior ao estimado anteriormente. Com base na nova POF, Neri estima que os pobres somam 19,9 milhões no Brasil e não os 30,5 milhões que haviam sido calculados com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2008.

Crescimento econômico, aumento dos salários e expansão da política de transferência de renda compõem um cenário positivo que, paulatinamente, está reduzindo a pobreza no Brasil. Mas o fator que levou Neri a rever seus cálculos foi a crescente importância da renda não monetária no rendimento das famílias, especialmente das de mais baixa renda. A renda não monetária, que inclui pesca, caça, coleta e troca de bens, representa 12,8% do rendimento médio da população e chega a significar 25,8% para os mais pobres.

Se a conta estiver correta, haverá impacto significativo na redução do custo de se erradicar a pobreza. Afinal, há uma diferença de quase 10 milhões de pessoas entre as duas contas. Mas o corte utilizado pelo CPS da FGV, que considera pobre quem tem renda média mensal de R$ 140,00, não deixa de ser extremamente baixo, um verdadeiro patamar de miserabilidade. Além disso, os números absolutos acabam encobrindo as nuances mais cruéis da realidade.

Segundo a POF, nada menos do que 12,5 milhões de famílias brasileiras (cada uma com 3,6 membros) , ou cerca de um quinto do total, têm uma renda de até R$ 830, dos quais 46,3% provenientes do trabalho e 26,7% das transferências - um quarto delas obtida nos programas sociais do governo federal - e outro tanto de rendas não monetárias.

Nessa faixa de rendimento, cerca de 88% das famílias relataram algum grau de dificuldade de chegar ao fim do mês com os recursos que recebem. Na região Sul, quem está nessa faixa de renda gasta cerca de R$ 100 a mais do que recebe. Quando não fecha o mês no vermelho, é preciso apertar as contas.

O estudo mostra também que 75,2% das famílias dizem ter dificuldade para esticar a renda até o fim do mês. Desse total, 17,9% afirmam ter muita dificuldade para fechar o mês no azul. O percentual é, de toda forma, menor do que os 85% da pesquisa de 2002/03. Na classe com rendimento acima de R$ 10.375,00, somente 28% informam alguma dificuldade.

Na média, o quadro da nova POF é bem positivo. A pesquisa mostra que o rendimento médio mensal das famílias brasileiras aumentou, em termos reais, 10,8% sobre a pesquisa anterior, realizada de 2002 a 2003, passando de R$ 2.494,25 para R$ 2.763,47. O ganho real é ainda maior, de 21,54%, considerando o rendimento familiar per capita, de acordo com Neri.

Do rendimento total recebido pelas famílias brasileiras, 61% são provenientes do trabalho, percentual praticamente igual ao da pesquisa anterior (62%). A segunda maior fonte de rendimento são as transferências do governo, que cresceram de 15% do total na pesquisa anterior para 18,5%. Esse item inclui aposentadorias e pensões e programas sociais de transferência de renda, em que se sobressai a bandeira do governo Lula, o Bolsa Família. As pensões e aposentadorias têm a maior fatia, cerca de 80%, em comparação com 75% seis anos antes. Já as transferências para a baixa renda têm participação de 3%.

As despesas cresceram também, mas menos, e ficaram em R$ 2.626,31, de modo que, teoricamente, na média, houve folga no bolso das famílias. A pesquisa mostra ainda que, ao longo dos anos, as despesas com alimentação diminuíram, enquanto os gastos com habitação aumentaram . No estudo anterior, os alimentos representavam 20,8% das despesas das famílias; agora o percentual caiu para 19,8%. No mesmo espaço de tempo, aumentaram os gastos com habitação, que passaram de 30,4% para 35,9%, e também as despesas com transporte, que foram de 11,2% para 19,6%.

Essas informações vão ajudar a aperfeiçoar a metodologia de aferição da inflação dentro dos próximos dois anos, para refletir melhor a atual composição dos gastos das famílias.