Título: Lula critica ajuste europeu em cúpula com UE
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 15/07/2010, Brasil, p. A3

de Brasília

O alcance das medidas de ajuste na Europa provocou uma troca de recados zangados entre autoridades europeias e brasileiras, durante o encontro de cúpula Brasil-União Europeia, ontem, no Palácio do Itamaraty. Ao ouvir do presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, o relato das medidas para estabilizar as economias europeias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou providências para evitar forte desaceleração na economia. "Estabilidade não basta; é preciso crescimento", emendou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dizendo temer disputa comerciais, com o esfriamento do mercado europeu.

Rompuy e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, repetiram, na reunião e nas cerimônias públicas durante o dia, que as medidas de austeridade decretadas na Europa são a melhor maneira de garantir a estabilidade do euro e sustentar a recuperação econômica. A discussão sobre saídas da crise foi, porém, a única séria divergência numa cúpula marcada por gestos de aproximação. As autoridades dos dois lados prometeram esforço para vencer as resistências contra um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.

"Como o companheiro que tem dado mais trabalho é um grande amigo meu, o presidente Sarkozy, tenho a responsabilidade de tentar convencê-lo a flexibilizar o coração dos franceses e a gente fazer um acordo antes de eu terminar a Presidência", gracejou Lula. As autoridades acreditam que, com o iminente fracasso da Rodada Doha, na OMC, mais nações europeias terão interesse no acordo entre os dois blocos - o avanço dessas negociações poderia até pressionar os EUA à reduzir sua resistência em Doha, acredita graduado assessor de Lula.

Embora diplomatas e assessores palacianos garantam que foi "excelente" a reunião, Lula deu um recado severo aos europeus, na cerimônia em que ele, Durão Barroso e Rompuy assinaram dois acordos aéreos e um de cooperação para promoção do biocombustível em países como Moçambique. "Insistir no protecionismo e criminalizar a imigração só agrava a situação", disse o presidente. "A aposta do Brasil para responder à crise foi outra: no momento em que a recessão ceifava empregos no país, não hesitamos em regularizar a situação de dezenas de milhares de imigrantes", comentou, em referência à xenofobia na Europa.

Lula mencionou o temor de que as medidas para evitar especulação financeira no mercado de commodities, defendidas por países europeus como a França, sirvam de pretexto para controlar preços de mercadorias exportadas por países em desenvolvimento. "Preferimos confiar em políticas anticíclicas, que fomentam o crescimento, numa regulação bancária eficaz, em bancos públicos robustos, e num mercado interno pujante. Isso fez a diferença", disse, prevendo crescimento acima de 7% e geração de 2,5 milhões de empregos formais no país em 2010.

No comunicado final houve consenso até em temas polêmicos, como o programa nuclear iraniano, que brasileiros e europeus reconheceram como legítimo, desde que asseguradas garantias de que não será usado para fins militares. E foi elogiado o acordo recente patrocinado por Brasil e Turquia para troca de urânio iraniano.