Título: Índios decidem dormir ao relento
Autor: Trindade, Naira
Fonte: Correio Braziliense, 11/07/2010, Cidades, p. 31

Operação policial retira pertences de cerca de 150 pessoas acampadas na Esplanada desde janeiro, mas manifestantes não saem do lugar. Quatro homens foram presos

Uma operação que envolveu cerca de 300 policiais militares, civis e federais recolheu ontem de manhã os pertences de indígenas que acampam na Esplanada dos Ministérios desde 2 de janeiro deste ano. Barracas de lonas, pedaços de paus, tacapes e materiais dos cerca de 150 índios (segundo cálculos da própria liderança do movimento) que permaneciam no gramado foram retirados e jogados em 10 caminhões da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (Sudesa).

A reação à ordem policial resultou na prisão de quatro homens. Mais quatro pessoas tiveram de ser medicadas em hospitais. Mesmo após a ação, os índios se recusaram a seguir ao hotel oferecido pela Fundação Nacional do Índio (Funai). À noite, em frente ao Congresso, um grupo estimado entre 90 e 100 adultos decidiu permanecer ao relento, observado por policiais em quatro viaturas. As crianças ¿ entre 50 e 60 ¿ seguiriam para duas aldeias próximas a Brasília.

A decisão judicial de remover os índios da Esplanada, segundo a assessoria do Ministério da Justiça, seria da Advocacia-Geral da União (AGU). A ordem autorizaria a retirada dos manifestantes da área pública. O mandado foi cumprido por órgãos de fiscalização e policiais do Governo do Distrito Federal, numa ação conjunta com agentes federais. Policiais armados, soldados com cães farejadores, cavalaria da Polícia Militar e policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Força Nacional presenciaram a retirada. Trinta e sete bombeiros também apoiaram a operação.

A polícia levou os índios Adrim de Souza Guajajara, Vanderley Tupinanbá e o documentarista carioca Murilo Marques Filho para a 5ª Delegacia de Polícia. ¿Eles vão assinar um termo circunstancial por desobediência e serão liberados imediatamente¿, contou o delegado-chefe da 5ª DP, Laércio Rosseto. O ativista francês Jean-Marc Franc, 50, teve de ser encaminhado à Polícia Federal. Todos foram liberados em seguida.

Choro e reação Crianças e adolescentes, que estavam vivendo em meio a ratos e sujeira, se assustaram com a ação dos policiais. Houve muito choro e gritos de desespero. ¿Eles chegaram aos gritos, nos acordando e nos chamando de vagabundos¿, ressaltou a índia Lúcia Pancararu, 38. Duas crianças ¿ uma de 2 anos e outra de 6 ¿ não resistiram ao spray de pimenta arremessado contra o rosto delas. ¿Levamos as duas crianças para o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). O menor estava vomitando e o outro reclamava de irritação na mucosa¿, contou o major do Corpo de Bombeiros Alexandre Nestor da Silva.

Os bombeiros transportaram também duas mulheres. Uma delas, com hipertensão, logo recebeu alta. A segunda, Sulemita Lopes, 25 anos, dizia estar grávida de três meses e com fortes dores abdominais. No entanto, uma hora depois dela chegar ao Hospital da Asa Norte (Hran), foi liberada pelos médicos, que disseram não haver gravidez alguma.

Depois da remoção, eles seguiram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de serem ouvidos, sem saberem que a instituição está em recesso. Durante todo o dia, brasilienses comovidos com a situação levaram marmitas, pães e refrigerantes para as crianças e os adultos que permaneceram ali.

Representando voluntariamente os direitos dos índios, o advogado Ulisses Borges afirmou ter registrado uma ocorrência na Superintendência da Polícia Federal porque, segundo ele, os policiais não apresentaram decisão judicial. ¿A remoção é ilegal. Não há uma liminar obrigando a saída deles¿, explicou. O SLU limpou o gramado assim que a operação acabou.