Título: Pela 1ª vez na oposição local e federal, Tasso enfrenta eleição mais difícil
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2010, Política, p. A4

Dezenas de motos abriam caminho, buzinando sem parar. Liderando a fila de carros, a pick up apinhada de políticos avançava devagar pela "Boulevard do Arco", como é chamada a avenida que leva ao Arco de Nossa Senhora de Fátima (mais conhecido como Arco do Triunfo, pela semelhança com o monumento de Paris).

Para o morador de Sobral, principal cidade do norte do Ceará, seria apenas mais uma carreata banal nesta campanha eleitoral, não fosse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) entrando no berço político do governador Cid Gomes (PSB) pela primeira vez como seu adversário.

Foi no Becco do Cotovelo (assim mesmo, com dois "c") - pitoresca ruazinha cheia de bares, lojas, casas lotéricas e camelôs, tradicional ponto de encontro político da cidade -, que em um mini comício Tasso apresentou ao sobralense seu candidato a governador, deputado estadual do PSDB Marcos Cals (os aliados falam "Cales", para evitar associação com "caos").

"Sou eleitor do Tasso, mas para governador vou votar no sobralense [Cid]. Cals é homem de bem, mas sou muito bairrista", disse Luiz Torquato, presidente do time de futebol da cidade, o Guarani, após tomar café com o senador, ambos espremidos entre militantes e curiosos, no primeiro bar em que a comitiva tucana parou. Duas vezes prefeito (1997 a 2004), Cid pôs fim à dobradinha entre as famílias Prado e Barreto no comando de Sobral e fez uma gestão bem avaliada.

Após caminhar ao lado de Cals e políticos aliados pelos cem metros do beco, parando para abraçar e conversar com eleitores, o senador tomou outro café e, num palanque apertado e improvisado, cumpriu a tarefa desta campanha: pedir votos para a candidatura de José Serra (PSDB) e explicar a razão pela qual lançou um candidato a governador contra Cid, com quem mantinha relação política histórica, reforçada pela amizade pessoal com o irmão, deputado Ciro Gomes (PSB).

Apelando para o que chamou de alto nível de "politização" do morador de Sobral, o senador disse que não seria bom para a democracia haver apenas um candidato a governador. "Isso não é eleição. É tirar do povo o direito de escolha. Seria a primeira vez que aconteceria no Ceará. Não poderíamos abaixar a cabeça e aceitar", disse.

Cals, o candidato da "renovação", é filho do ex-ministro César Cals, um dos "coronéis" que comandavam a política do Ceará e foram derrotados por Tasso em 86. "Isso é irônico. Mas Marcos é um jovem que não tem absolutamente nada a ver com aquela política que derrotamos. Ele entrou na política não em função da carreira do pai. E logo me apoiou, no primeiro governo. É irônico nesse sentido, mas desde então sempre estivemos juntos", diz Tasso.

Embora conte com 63% das intenções de voto para senador, Tasso considera esta a eleição mais difícil de sua vida. Ex-governador do Ceará por três vezes e exercendo o primeiro mandato de senador, pela primeira vez está lutando contra a máquina federal, a estadual e, no caso da disputa para o governo do Estado, a maioria das municipais.

O senador tem apoio de 160 dos 184 prefeitos do Estado para sua própria eleição, mas apenas 26 estão com Cals para governador. O restante apoia Cid. Até no PSDB há defecção: dos 54 prefeitos tucanos, mais da metade está com o governador.

"É a primeira vez que estou nessa situação. Em 1986 (quando se elegeu para o primeiro dos três mandatos de governador), não tinha a máquina federal contra. O vento político era a favor, porque o PMDB era do presidente José Sarney e do Plano Cruzado e eu era PMDB. Os prefeitos eram contra, mas o vento de popularidade do PMDB era favorável."

Um dos desafios de Tasso é convencer o eleitorado cearense de que ele está realmente rompido com Cid e empenhado na eleição de outro candidato. A última vez em que havia estado em Sobral, em 5 de março, o senador estava acompanhado do governador. Daquela vez, defendeu a reeleição de Cid, que, por sua vez, chamou Tasso de "o maior político vivo do Ceará".

Naquela época, o governador era pré-candidato a reeleição sem adversário e tinha a expectativa de contar com apoio de Tasso. Em troca, lançaria apenas um candidato a senador em sua chapa, facilitando a reeleição do tucano. De lá para cá, muita água passou pelo rio Acaraú, que corta Sobral. O presidente Lula atuou, Cid demorou a confirmar o compromisso e Tasso, sentindo-se traído, rompeu com o governo e lançou candidato a governador pelo PSDB.

Foi o princípio de uma reviravolta na política cearense. Cid continua favorito na disputa, com índices de intenção de voto que variam de 47% a 49%. Mas enfrenta, além de Cals (7% a 9%), o ex-governador que derrotou em 2006, Lúcio Alcântara, do PR (23% a 27%). A torcida dos adversários é para levar a disputa para o segundo turno. Embora apoie Dilma Rousseff (PT) para presidente, como Cid, Lúcio é o candidato que, para o eleitor, mais representa a oposição. Em 2006, ele era governador pelo PSDB e disputou a reeleição à revelia de Tasso, principal liderança do seu partido. O senador preferia apoiar Cid e, contrariado, ficou distante da campanha estadual.

Marcos Cals, 46 anos, deputado estadual por seis mandatos e presidente da Assembleia Legislativa do Estado por três vezes, ainda precisa justificar sua oposição a Cid, de cujo governo foi secretário de Justiça com aval do PSDB. O partido dava "apoio administrativo" à gestão estadual até o rompimento de Tasso. Ele que era responsável por um "pequeno setor do governo" e agora percebe os problemas. "O governo está muito focado em obra, prédio e cal. Tem que humanizar", afirma.