Título: Desaceleração indica fase de baixo crescimento global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2010, Opinião, p. A10

A crise financeira global pode ter deixado como herança uma baixa taxa de crescimento nos principais países avançados, à qual os países emergentes terão de se adequar. Mesmo depois de três anos de crise, não é possível afirmar com certeza nem que a recuperação mundial está consolidada, nem que uma nova recessão está fora do horizonte. A economia europeia, e em especial a da zona do euro, continuará com taxas mínimas de expansão por um bom tempo, se a encrenca criada pela magnitude das dívidas soberanas não se agravar. Uma série de indicadores ruins indica que os EUA estão em desaceleração. O Federal Reserve Bank reduziu sua perspectiva de crescimento para a faixa de 3% a 3,5% e metade de seus diretores acredita que há boa possibilidade de ele ser menor que isso. Nesse cenário, há limites para a expansão, até agora exuberante, dos países emergentes.

O rápido ritmo de recuperação global ficou para trás. Após uma profunda recessão no mundo desenvolvido, as empresas refizeram seus estoques e trouxeram a economia de volta à tona. Os números apareceram com força no desempenho dos países ricos no último trimestre de 2009 e no primeiro de 2010. De lá para cá, em uma precisa sincronia, houve desaceleração, inclusive nos países emergentes. Os estoques tornaram-se elevados e foram cortados a uma velocidade superior ao do ritmo de vendas. Nos EUA, as vendas de varejo, em queda em maio e junho, tiveram alta de 4,8% em doze meses. No mesmo período, os estoques caíram 1,5%. O enfraquecimento simultâneo dos índices de gerentes de compra em vários países aponta que algo semelhante aconteceu em países europeus e asiáticos.

O próximo passo será adequar a escala de produção à de consumo em uma situação que já não é mais de uma crise aguda, mas que também não é mais a marcha acelerada de antes da crise. A adaptação a um período de menor crescimento levará tempo e as projeções do Fundo Monetário Internacional, que tem virtudes e defeitos de todas as previsões, indicam isso. A economia mundial crescerá menos em 2011, com expansão menor em todos os países relevantes, mesmo emergentes, com exceção da zona do euro, para a qual se prevê avanço de 1,3%, superior a 1% previsto para 2010. Os EUA crescerão abaixo dos 3% (2,9% ante 3,3% em 2010) e o Japão seguirá o mesmo caminho (1,8% e 2,4%), assim como China (9,6% e 10,5%) e Índia (8,4% e 9,4%). O Brasil mostra desaceleração mais forte, para 4,2%.

Nesta história, são os países desenvolvidos que continuarão em maus lençóis. China, Índia e Brasil, por exemplo, têm condições de aumentar significativamente o consumo doméstico, embora em graus diferentes. A China é uma potência exportadora e a desaceleração de seus principais mercados terá um impacto maior do que em economias mais fechadas, como a indiana e a brasileira. O mercado interno se tornará relevante porque o comércio internacional deve crescer menos, segundo o FMI - de 9% em 2010, para 6,3% no ano que vem. As importações dos países ricos avançarão 4,6%, ante 7,2% este ano e a diminuição do ritmo das compras externas dos emergentes será igualmente relevante, de 12,5% para 9,3%.

Um comércio internacional menos dinâmico é um problema maior para os EUA e boa parte dos países da zona do euro, excetuada a Alemanha, que precisam compensar o reduzido consumo interno com um impulso exportador. Isso é crucial para a economia americana, mas não vem ocorrendo. O déficit comercial dos EUA subiu 4,8% em maio e foi o maior desde novembro de 2008, de US$ 42,3 bilhões. Na contabilidade nacional, o comércio externo retirará pontos do PIB, quando o inverso precisaria ocorrer. E em um quase replay do mundo pré-crise, quase metade do déficit, US$ 20 bilhões, foi registrado com a China.

Para o Brasil, a fase de menor expansão global exige cautela. O saldo comercial deve cair cerca de 40% em 2010 e a performance, ao que tudo indica, só será melhor caso a economia sofra uma considerável freada, para a casa dos 4%, derrubando as importações. Ainda assim, as importações de todos os países crescerão mais devagar, enquanto as commodities, segundo o FMI, mostrarão queda de preços de 1,4% em 2011. A alta dos juros vai conter a expansão e, com isso, impedir a deterioração suplementar do saldo comercial. O elevado crescimento de 2010 continuará sendo, para o Brasil, um ponto fora da curva.