Título: Pressão da política fiscal bipolar
Autor: Salto , Felipe
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2010, Opinião, p. A11

A política fiscal atual peca por consolidar uma dinâmica de forte crescimento das despesas, tanto em momentos de alta, quanto em períodos de baixa do ciclo econômico, mostrando-se inadequada à expansão do potencial de crescimento. Em grande medida, a política de manutenção da trajetória de alta dos gastos correntes tem reforçado a necessidade de uma ação mais agressiva da política monetária, que deverá seguir com o ciclo de alta dos juros nas próximas reuniões. Além das despesas primárias elevadas, resultantes de um orçamento inflado e pouco atento à necessidade de melhorar a austeridade fiscal, permanece, no campo dos bancos públicos, política de expansão de crédito, mesmo com a recuperação da atividade já consolidada e, pior, via aumento de dívida pública.

A trajetória da dívida bruta do governo geral/PIB, em 2009, sofreu as consequências da política de concessão de crédito ao BNDES, que recebeu R$ 105 bilhões por meio da emissão de títulos da dívida pública. Foi implementado um aumento de dívida pública robusto que, mesmo não afetando as estatísticas da dívida líquida do setor público/PIB, por questões contábeis, conduziu a uma piora expressiva da dívida bruta do governo geral/PIB. Esse tipo de ação não se restringiu ao período da crise, de maneira que em 2010 foram concedidos mais R$ 80 bilhões. Isso sem mencionar os R$ 22,5 bilhões que já haviam sido concedidos em 2008.

O ponto não é impedir o avanço de políticas de fomento ao investimento público e privado. Evidentemente, o BNDES cumpre papel importante, mas poderia fazê-lo de forma mais eficiente. A crítica está na utilização da emissão de títulos da dívida pública para financiar a ação do banco, contraindo riscos e custos fiscais de curto e longo prazo, o que pode, em última instância, consolidar o avanço ainda maior da dívida pública, exigindo juros básicos ainda maiores.

A aparente melhora do indicador de dívida pública, no curto prazo, esconde a real situação fiscal do país. A melhora deve-se ao fato de que a posição líquida das operações compromissadas reduziu-se fortemente, como reflexo da volta dos compulsórios. Nesse sentido, os títulos na carteira do BC aumentaram, mas como eles não mais são contabilizados na estatística da dívida bruta, há cerca de dois anos, quando há movimentos como esse, de grandes variações na posição das compromissadas, a dívida é afetada.

Mais do que a política de expansão de crédito, via bancos públicos, o problema está na forma de capitalização encontrada pelo governo e nos montantes robustos, pouco transparente, bem como na continuidade de tal política com o cenário de evidente recuperação da atividade.

A ata do Copom referente à reunião do mês de junho aponta a inconsistência que existe entre o cenário de atividade e inflação do país e as políticas fiscais adotadas pelo atual governo. No documento, fica evidente que a manutenção de uma política fiscal expansionista, particularmente com a ampliação de crédito dos bancos públicos, é inconsistente com o cenário de atividade em plena recuperação. Em determinado trecho, a ata afirma que um dos principais riscos ao cenário inflacionário é o impacto dos impulsos fiscais e creditícios sobre a evolução da demanda doméstica, em um quadro de virtual esgotamento da ociosidade e sinais de descompasso entre oferta e demanda.

Esses sinais emitidos pelo Banco Central acusam claramente o descompasso entre a política monetária e a política fiscal no país. Enquanto a primeira toma medidas restritivas, corretamente, a segunda insiste "em se fazer presente" via aumento do peso de políticas que pressionam o cenário de inflação.

Por essas razões, a política monetária continuará sendo restritiva, de forma a compensar os excessos promovidos pela política fiscal. Enquanto não houver um compromisso do governo com a retomada de uma trajetória de maior austeridade fiscal, prevalecerá a necessária atuação da política monetária restringindo os avanços e ameaças inflacionárias, implementando novos ciclos de alta na taxa básica de juros. Implícito a esse quadro está o desafio de promover políticas macroeconômicas mais alinhadas e coerentes, internamente, que permitam ampliar o crescimento, mantendo a estabilidade de preços com juros baixos, o que só ocorrerá quando a lição fiscal for feita de forma integral. Até lá, paciência, os juros deverão continuar subindo.

Felipe Salto, economista pela EESP-FGV, é co-fundador do Instituto Tellus e analista da Tendências Consultoria.

Bernardo Wjuniski, mestre em História Econômica pela London School of Economics and Political Science (LSE), é analista da Tendências Consultoria e professor da EESP-FGV .