Título: Desaceleração global deixa os mercados intranquilos
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Fonte: Valor Econômico, 13/08/2010, Opinião, p. A12
Uma nova onda de intranquilidade nos mercados financeiros procura agora acomodar os preços dos ativos a uma fase de redução do ritmo de crescimento das principais economias desenvolvidas e desaceleração, ainda suave, nos países emergentes mais relevantes. Os indicadores mostram um movimento descendente coordenado na produção industrial global. O alerta do Federal Reserve Bank americano, de que a maior economia do mundo terá uma recuperação lenta e cheia de incertezas, que exigirá atuação das autoridades monetárias, soou o alarme de que não se sairá tão fácil e tão rapidamente de uma das maiores crises financeiras da história.
A economia americana, na primeira estimativa do Departamento do Comércio, reduziu seu ritmo para 2,4% ao ano. Dados ruins continuam se acumulando para tornar a previsão do Fed realista. A média móvel semanal de pedidos de auxílio-desemprego evoluiu na semana passada para 473.500, seu maior nível desde fevereiro. O mercado imobiliário residencial, que assistia a uma reabilitação de preços por doze meses a fio, voltou a fraquejar. As exportações, que poderiam dar algum vigor compensatório à renitência dos consumidores em ir às compras, recuaram 1,3% em junho, enquanto as importações subiram 3,1%. O desemprego continua desoladoramente estacionado na casa dos 9,5%, colocando um limite na recomposição de renda dos assalariados.
O Fed americano deixou claro na última reunião de seu comitê de política monetária que vai aproveitar os recursos resultantes da liquidação dos títulos lastreados em hipotecas para adquirir os papéis do Tesouro de longo prazo, criando um teto para os juros e garantindo que eles permaneçam muito baixos por tempo prolongado. Não há muito mais que se possa fazer por enquanto e há dúvidas sérias quanto à direção apontada caso os EUA cheguem perto de um novo mergulho na recessão, a de execução de novo afrouxamento quantitativo. O cenário mais provável, no entanto, é o de uma recuperação muito lenta e uma ainda mais lenta recomposição do nível de emprego.
O cenário europeu, por outro lado, era promissor só aparentemente. Os números negativos da produção industrial na zona do euro em junho, divulgados ontem, confirmaram o que indicadores indiretos já anunciavam. Como um todo, a produção recuou 0,1%, revelando estabilidade, depois de ter crescido 1,1% em maio. A surpresa desagradável, desta vez, é o recuo da produção nas duas maiores economias da união monetária, Alemanha (-0,5%) e França (-1,6%). A difícil situação dos países muito endividados, como Espanha, Grécia e Portugal, apesar de passado o pânico dos mercados com o risco de um calote que ainda pode vir, é um lembrete de que também em solo europeu as economias ainda demorarão um bom tempo para recobrar um vigor sustentável.
Houve uma acomodação saudável no ritmo da economia de China e Brasil, e a manutenção de expansão de mais de 8% da economia indiana. Os índices chineses continuam mostrando avanço de dois dígitos, embora apontem redução. A produção industrial, que subiu 13,4% em julho, é a menor em 11 meses. As importações ficaram pouco abaixo das expectativas do mercado e ainda assim cresceram 22,7%, ante os 34,1% do mês anterior. As autoridades chinesas, no entanto, estão procurando calibrar o ritmo econômico, diante das evidências de um amontoado de bolhas que começavam a se formar, a maior delas no setor imobiliário. Aparentemente, estão conseguindo, embora os mercados especulem com a possibilidade de que a desaceleração possa ir mais longe do que a planejada.
A mudança para o pessimismo nos mercados se refletiu nos jogos das moedas. O dólar, que se valorizava rapidamente até meados do primeiro semestre, agora se desvaloriza, colocando pressões em várias divisas ao redor do mundo, a começar pelo iene (a moeda japonesa teve a maior cotação diante do dólar em 15 anos) e o real brasileiro. A valorização do real deve se intensificar com a política de manter baixa remuneração para os títulos do Tesouro, anunciada pelo Fed e que poderá ser seguida pelo Banco Central Europeu e pelo BC japonês. Há ingredientes suficientes para aprofundar a deterioração quantitativa e qualitativa das contas externas do país. Seu fechamento dependerá em maior grau de capital especulativo volátil, embora esses sejam problemas menores do que o que hoje enfrentam os países ricos.