Título: Expansão dos salários garante o endividamento sem aperto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2010, Opinião, p. A13
O aumento do crédito para as pessoas físicas é um dos raros pontos de apreensão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação ao Brasil. Em seu documento de consulta anual com o país, divulgado no início do mês, o FMI nota que "a aceleração recente do crédito ao consumidor e seus efeitos sobre o crescimento da demanda merecem atenção especial".
Nada indica, porém, que o alerta esteja sendo levado a sério. Enquanto o FMI projeta crescimento de 18,1% do crédito no país neste ano, os bancos esperam expansão pouco acima de 21%, de acordo com as recentes previsões da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A expectativa dos bancos em relação ao crédito para pessoa física é mais otimista ainda e se situa em quase 22% de aumento.
O comportamento do crédito no início do ano justifica o otimismo. Os dados coletados pelo Banco Central (BC) mostram que o crédito total cresceu 8,1% no primeiro semestre e 19,7% em doze meses. As operações com pessoas físicas aumentaram 8,9% no semestre e 19,1% em doze meses; e as com empresas, 7,5% e 20,3%, respectivamente. Os bancos públicos ficaram claramente na vanguarda: a Caixa Econômica Federal aumentou em 50,3% a carteira de crédito nos doze meses terminados em junho; e o Banco do Brasil, em 29,3%. Dos maiores bancos privados, o que mais ampliou o crédito foi o Bradesco, com 15%; seguido pelo Itaú Unibanco com 11,4%; e Santander, com 9,9%.
Os bancos estão animados com a bem-vinda redução do calote. A inadimplência, conforme registro do BC de junho, o mais recente disponível, estava em 5%, em comparação com 5,6% um ano antes e bem abaixo do pico de 5,9% de agosto de 2009. Entre as pessoas físicas, a inadimplência estava em 6,6%, também distante do pico de 8,5% de maio de 2009. Por isso, os bancos reduziram as provisões para calote - com exceção da Caixa, por motivos óbvios - e a alimentar a fornalha do crédito.
Assim, apesar de o endividamento das pessoas estar crescendo, elas estão conseguindo manter a dívida administrável. Dados do BC mostram que o endividamento das pessoas físicas chegou a 35,8% da renda anual agregada das famílias em junho passado, em comparação com 31,1% em outubro de 2008, quando a crise internacional bateu nas nossas portas, e era de 22,8% quatro anos antes, em junho de 2006. Mas o comprometimento das pessoas físicas com o pagamento dessas dívidas tem ficado relativamente estável, em 22% da renda mensal, em junho, abaixo dos 22,5% de outubro de 2008 e não muito distante dos 20,1% de junho de 2006. (Valor, 16 de agosto).
O que sustenta o cenário favorável ao crédito é uma capacidade nunca antes vista de endividamento das pessoas físicas, garantida pela combinação de vários fatores positivos: aumento da massa salarial, melhoria do nível de emprego, alongamento dos prazos das operações e juros mais baixos do que no passado.
A massa salarial deverá ter um aumento real de 6,2% neste ano nas seis principais regiões metropolitanas do país, segundo estimativa da MB Associados, o que explica em boa parte a maior capacidade de endividamento das pessoas. A massa salarial ampliada, conceito que inclui não apenas o rendimento do trabalho mas também os benefícios da previdência social e da transferência de renda, deve crescer 6,8%. Já o desemprego está em um dos menores níveis já vistos, de 7%.
As dívidas também estão sendo mais facilmente digeridas com o alongamento dos prazos, que eram de 450 dias em média, em junho, praticamente cem dias maior do que os 359 dias de igual mês de 2009. Nas operações com pessoas físicas, o prazo médio aumentou mais, de 267 dias para 382 dias.
A expansão dos empréstimos para a pessoa física, segundo um estudo recente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), contribuiu com 36% do crescimento de 62,5% das vendas de varejo no período de 2004 a 2009 e com 27% da expansão da economia no período, que foi de 4% ao ano.
O ponto de interrogação nesse cenário róseo é o impacto da elevação dos juros no custo do crédito e no emprego no equilíbrio ainda delicado do bolso da pessoa física. A taxa básica de juros já subiu 2 pontos neste ano, sem repercussão significativa no custo do crédito. A taxa média do crédito era de 34,6% ao ano em junho, abaixo dos 35,1% do início do ano, mas acima dos 34,2% de março. Os bancos estão compensando a alta com o alongamento dos prazos das operações.