Título: Nas margens do rio, chegar na escola é o primeiro desafio
Autor: Máximo , Luciano
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2010, Especial, p. A14

Às margens do rio Solimões, a Escola Municipal 7 de Setembro recebe todos os dias 180 alunos da primeira série do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, incluindo a educação de jovens e adultos (EJA). Nos seis meses de cheia, de novembro a maio, o único acesso se dá por barco. Em tempos de seca, como os de agora, alguns estudantes conseguem chegar em caminhadas que podem levar mais de uma hora.

Ir e voltar da escola em comunidades ribeirinhas é um assunto que nunca sai da agenda de autoridades e educadores da região Norte do país. Trata-se de uma logística muito particular, diferente das conhecidas nos grandes centros e que às vezes supera outras questões importantes da educação, como infraestrutura e desempenho escolar. "Damos muita atenção a isso. Em primeiro lugar a criança precisa vir para a escola, temos que ficar em cima, cobrar para que elas esperem o barqueiro na margem do rio na hora certa, senão vira uma bagunça, ficamos com muita falta", conta Natalia Vale da Silva, gestora da escola 7 de Setembro.

Alzira Gomes de Paiva, de 67 anos, reclama das condições de transporte, mas dificilmente falta às aulas da quarta série da EJA. Todos os dias, ela recebe as netas e netos que estudam no período da tarde e, com o mesmo barqueiro, segue para a mesma escola, para as atividades do período noturno. "É difícil quando chove, a gente tem que levar uma roupa numa sacola para trocar quando chega na escola. O que custa mandar uma canoa com um cobertinho?", pergunta. Dona Alzira, que é dona de casa e ajuda o marido "nas pescarias", voltou a estudar há um ano e, além das suas tarefas, também procura acompanhar os estudos dos netos - no total são 61, mas a maioria está espalhada em Manaus. "É, meu filho, eu tive 14 filhos, aqui estão só uma talhada dos netos. Essas meninas são muito cabeça-dura, tem que prestar mais atenção, se interessar mais", briga, se referindo às irmãs gêmeas Graziella e Grazielle, que vivem com a avó.

Dona Alzira acredita que a troca de professores atrapalha o rendimento das crianças. As meninas confirmam. "Alguns pegam muito no nosso pé, é diferente, gostava mais do professor Daniel", conta Graziella. Na sexta série do ensino fundamental, as irmãs têm dificuldade para ler e escrever, conta Natalia. O novo professor de português, Francisco Souza, procura ajudar e chegou até a levar as meninas para consulta com uma fonoaudióloga na sede de Iranduba, que fica na margem direita do rio Negro, a 30 quilômetros de Manaus. "Algumas crianças têm dificuldade de articular, é apenas mais um problema que está relacionado com um monte de coisa", afirma Souza, falando dos problemas da escola, que não precisavam ser apontados para serem notados.

A 7 de Setembro é toda de madeira e suspensa por estacas para continuar no mesmo lugar na época de cheia do rio. A infraestrutura da escola é bastante precária: não há descarga nos banheiros nem pias para os alunos lavarem as mãos, eles comem a merenda dentro das salas de aula, onde o quadro-negro fica improvisadamente pendurado em cadeiras, elas também bastante precárias. As salas têm ventilador, mas é comum o professor dar aula no corredor por causa do calor. "Isso tudo influencia no aprendizado. Infelizmente, a gente fica muito isolado, não dão muita atenção", lamenta o professor. (LM)