Título: O desafio de se incentivar o crédito de longo prazo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2010, Opinião, p. A10

Uma das consequências mais positivas do recente debate a respeito do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi a decisão do governo de preparar um pacote para incentivar o setor financeiro a assumir participação mais ativa no financiamento de longo prazo da economia brasileira.

Preocupada com o destino dos R$ 208 bilhões injetados pelo Tesouro no BNDES desde 2008 e com os critérios nem sempre transparentes do banco para distribuir os recursos, a sociedade começou a questionar o governo que, pressionado, tirou do bolso do colete a antiga promessa de incentivar alternativas privadas de financiamento de longo prazo.

Afinal, não se trata mais apenas de suprir deficiências do mercado em uma época de crise de liquidez como a vivida em 2008 e 2009, mas de apoiar o crescimento sustentável de longo prazo e os investimentos previstos para os próximos anos, do petróleo do pré-sal às obras para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.

As medidas em estudo sairão do forno até o começo de outubro e devem incluir as receitas óbvias de isenções de impostos e de recolhimento compulsório sobre títulos mais longos de bancos e do mercado de capitais. Entre os instrumentos de captação a serem beneficiados estão alternativas antigas, como as debêntures, papéis emitidos por empresas que se tornariam mais atraentes sem impostos ou com tributação menor; e novidades como as letras financeiras (LF), criadas no ano passado como opção aos certificados de depósito bancário (CDB) para viabilizar as captações de longo prazo para os bancos. As LFs demoram a decolar em parte porque são atingidas pelo mesmo recolhimento compulsório de 15% dos CDBs. Desde o primeiro lançamento, em 31 de março, foram captados com LFs apenas R$ 10,3 bilhões.

No entanto, não basta lançar pacotes para se resolver os problemas de financiamento de longo prazo da economia. O custo do crédito é um dos limitadores da eficiência dos novos instrumentos e, em última análise, do próprio crescimento. Para a economia crescer entre 4,5% e 5,5% ao ano, é preciso um investimento ao redor de 21% do Produto Interno Bruto (PIB), e não os menos de 20% aplicados nos últimos anos.

Não apenas os impostos e os compulsórios que o governo promete reduzir tornam caro o crédito no Brasil . Os juros altos e a pouca competição entre os bancos também influem. Cerca de 16 anos após o lançamento do programa de estabilização econômica, o Brasil ainda não conseguiu baixar a taxa básica (Selic) para um padrão internacional por causa da permanente preocupação com a inflação.

No patamar atual de 10,75% ao ano, a Selic coloca um piso para o custo do crédito que dificilmente será competitivo frente ao cobrado pelo BNDES, com base nos 6% ao ano da TJLP. O investidor que for avaliar uma debênture para aplicar vai comparar seu retorno frente ao de um título público, que paga o equivalente à taxa básica. Mesmo captando recursos no exterior a taxas mais baixas, os repasses no mercado interno não são competitivos dada a necessidade de se fazer hedge. Sem hedge, uma empresa de primeira linha pagaria no mínimo os 6% da TJLP para captar no exterior.

A queda dos juros reais para 3% a 4% ao ano é uma "das premissas" para o desenvolvimento de mecanismos de financiamento de longo prazo no país, disse ao Valor o ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimento, Armínio Fraga.

Uma alternativa mais promissora é a emissão de títulos no mercado de capitais, com as debêntures. Mas, nesse caso, o problema, além da tributação do investimento, é a falta de liquidez do mercado secundário, que foi bastante prejudicado pela crise internacional e só começou a melhorar no fim de 2009.

A liquidez dos instrumentos de captação pode ser uma faca de dois gumes, no caso dos títulos dos bancos. Os CDBs também podem ser emitidos por prazos longos e, na realidade, existem papéis de até três anos. O mercado criou, porém, o CDB com compromisso de recompra, o que lhe dá, na prática, liquidez diária. A promessa oferecida para atrair o investidor acabou colocando em perigo muitos bancos no auge da crise de liquidez de 2008 a 2009, especialmente os de pequeno porte.

As letras financeiras surgiram exatamente para evitar esse aperto nos bancos: têm prazo mínimo de dois anos e não podem ser resgatadas antecipadamente. Mas a limitação criada para resolver uma distorção do mercado acabou matando as negociações secundárias, bem-vindas e necessárias quando se fala de longo prazo.