Título: Brasileiros morrem no México em massacre de 72 imigrantes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2010, Internacional, p. A13

De São Paulo

Militares mexicanos encontraram ontem 72 corpos - entre eles os de pelo menos quatro brasileiros - num local próximo à fronteira com os EUA. Foi a maior matança registrada no país desde o início do governo do presidente Felipe Calderón, há três anos e meio. A violência explodiu em seu governo, com a intensificação das operações de combate ao narcotráfico, e parece estar colocando o país numa situação de descontrole. A chacina foi atribuída a um uma das gangues mexicanas, a Los Zetas, envolvida com o narcotráfico.

Além de brasileiros, faziam parte do grupo cidadãos do Equador, El Salvador e Honduras. Diplomatas desses países devem chegar hoje ao Estado de Tamaulipas, onde os corpos foram encontrados. O local fica a cerca de 150 km da fronteira com os EUA.

A imprensa mexicana dizia ontem que brasileiros e equatorianos eram a maioria entre os mortos. O governo brasileiro, porém, tinha confirmação de apenas quatro vítimas brasileiras, apesar de admitir a possibilidade de mais mortos. Ao todo, foram encontrados em uma vala numa fazenda numa região inóspita em San Fernando, Tamaulipas, os corpos de 58 homens e 14 mulheres.

Todas as vítimas eram, aparentemente, imigrantes que tentariam entrar ilegalmente nos EUA. No caminho, segundo o sobrevivente equatoriano, Luis Fredy Pomavilla, eles foram alvo de uma ação já bem comum no México: o sequestro de imigrantes ilegais.

Esse tipo de crime é uma das fontes de renda de grupos como os Zetas, que atuam no sul e no norte do país. Tráfico de mulheres para a prostituição, jogo ilegal, sequestros e extorsões de famílias e empresas são, além do comércio de droga, atividades em que gangues mexicanas estão envolvidas.

No caso dos imigrantes que entram no México pela fronteira sul, rumo aos EUA, a prática consiste no sequestro e cobrança de resgate. Há alguns anos, diplomatas e autoridades da Guatemala, Honduras e El Salvador, dizem que na empobrecida região sul do México esse tipo de ação contra os imigrantes é conduzida pelo crime organizado em associação com forças policiais. Os recursos dos resgates seriam partilhados.

Autoridades brasileiras já registraram casos de sequestros de brasileiros que tentavam cruzar a fronteira para os EUA, mas o caso de ontem foi o mais violento e com o maior número de vítimas.

Uma das hipóteses para a matança, levantada por uma autoridade brasileira ouvida pelo Valor, é que os criminosos teriam decidido dar uma demonstração de força para que outros imigrantes e suas famílias não tenham dúvidas de que a gangue está disposta a executar sequestrados caso não os resgates não sejam pagos. Segundo o sobrevivente (que alertou militares mexicanos sobre o massacre), os homens que capturaram o grupo se identificaram como membros dos Zetas e mataram os imigrantes após eles terem se recusado a trabalhar para a gangue.

Sob o governo Calderón, a guerra contra o narcotráfico - e as disputas entre os próprios criminosos - já deixaram mais de 28 mil mortos. Organizações de defesa de direitos humanos, a oposição e até aliados de Calderón dizem que a violência, que cresceu com a pressão do Estado ao crime, exige outra abordagem do governo. "O desânimo social já chegou a níveis nunca vistos neste país", disse Alejandro Martí, da ONG México SOS.

Além chacina de ontem, nos últimos meses outras duas grandes matanças chocaram o país. Em maio, autoridades encontraram 55 corpos no Estado de Guerrero; e em julho, 51 próximo a Monterrey, a pouca distância do Texas. Tamaulipas, o local da chacina de ontem, foi em junho palco do assassinato de um candidato ao governo estadual - uma morte também atribuída ao crime organizado.