Título: Déficit externo cresce, mas ainda está sob controle
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2010, Opinião, p. A14

O déficit externo tem se deteriorado gradativamente, mas ainda está longe de ter o poder de detonar uma crise no balanço de pagamentos, como ocorreu no passado. O aumento do déficit em transações correntes está sendo impulsionado basicamente pela derrubada dos grandes saldos comerciais. A aquecida demanda doméstica, também estimulada pelo aumento dos gastos públicos, tem feito com que a velocidade do aumento das importações, em torno de 45% no primeiro semestre, seja o dobro do avanço das exportações. Com isso, estima-se que o saldo comercial possa encolher para US$ 13 bilhões em 2010, ou US$ 12,3 bilhões a menos que o resultado do ano passado.

Fatores externos colaboram adicionalmente para a piora das transações correntes. Os investimentos externos diretos diminuíram expressivamente pela difícil situação econômica em que se encontram grandes investidores como EUA, Espanha, Reino Unido, França e outros. Nos sete primeiros meses do ano, o IED líquido atingiu US$ 14,7 bilhões, um ritmo que tornará difícil a consecução da projeção de US$ 38 bilhões feita pelo Banco Central. Esses números podem mudar repentinamente, porém, desde que saia ainda este ano a gigantesca capitalização da Petrobras.

Por outro lado, o robusto crescimento da economia brasileira ocorre em ambiente de grande liquidez externa, alta aversão a risco e forte instabilidade. Nessas condições, empresas brasileiras têm conseguido empréstimos, o que aumentou US$ 7,5 bilhões a dívida de curto prazo (inferior a um ano) em , elevando-a para US$ 49,6 bilhões. O endividamento de longo prazo subiu US$ 2,7 bilhões, para US$ 185,7 bilhões.

O aumento da dívida de curto prazo, porém, se dá com juros baixos, o que tem propiciado a troca de dívidas antigas de médio e longo prazos por novas a custo muito menor. A taxa de rolagem do setor privado para desembolsos e amortizações subiu para 253%, enquanto a de bônus, notas e commercial papers foi de 416% e a dos empréstimos diretos, de 75% em julho. É certo que o mercado para a dívida corporativa e soberana sofreu e continuará sofrendo solavancos típicos de um cenário instável. À medida que se firma a perspectiva de crescimento bastante modesto das economias desenvolvidas por um período razoável de tempo, as condições dos investimentos externos diretos e de empréstimos e financiamentos para o Brasil poderão melhorar ainda mais.

A crise financeira global atuou, por outro lado, como uma verdadeira bomba de sucção de lucros e dividendos obtidos por companhias estrangeiras no país. Até julho foram remetidos US$ 16,7 bilhões e a previsão é de que a conta feche o ano com remessas de US$ 32 bilhões, US$ 7 bilhões acima dos US$ 25,2 bilhões do ano passado. Cerca de um quinto das remessas concentram-se no setor automotivo, em que os bons resultados de uma aquecida demanda por carros no mercado doméstico tem ajudado a financiar especialmente as grandes montadoras americanas em dificuldades.

Os principais indicadores de endividamento externo ainda mostram uma situação confortável. A relação entre o serviço da dívida e as exportações, que chegou a 41,2% em 2006, chegou em junho a 27,2%, inferior aos 29,4% do ano passado. A relação entre pagamentos de juros e vendas externas foi em junho passado de 7,7%, a menor em cinco anos. O quociente entre dívida total e exportações está estabilizada em torno de 1,3 desde 2006. E o Brasil continua sendo um credor líquido em dólares em US$ 39,5 bilhões em julho, embora esse número já tenha chegado a mais de US$ 60 bilhões em passado recente.

Os fatores negativos de um déficit externo crescente são claros. Há maior dependência de capitais de curto prazo e de investimentos que podem sair do país rapidamente, como as aplicações em ações e títulos de renda fixa, ultimamente uma das prediletas do capital externo. Em períodos de incertezas, o movimento desses capitais provoca grandes e nocivas oscilações na taxa de câmbio, que hoje não assustam muito graças aos US$ 260 bilhões acumulados em reservas internacionais. O problema no curto prazo é que a deterioração das contas externas não se traduziu até agora em desvalorização do real, o seu corretivo automático. A melhoria das exportações é vital e poderia colocar o déficit externo no seu devido lugar.