Título: Massacre expõe fragilidade de imigrantes ilegais no México
Autor: Luhnow , David
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2010, Internacional, p. A9

O massacre de 72 imigrantes centro e sul-americanos no México revela um paradoxo que o governo mexicano não gosta de discutir: embora reclame do tratamento de seus próprios trabalhadores ilegais nos Estados Unidos, o México é um lugar muito pior para ser um imigrante ilegal.

Soldados mexicanos patrulharam ontem um rancho isolado, a cerca de 150 km da fronteira com os EUA, onde 58 homens e 14 mulheres do Brasil, do Equador, de El Salvador e de Honduras foram amarrados e tiveram os olhos vendados antes de serem executados contra uma parede.

Um sobrevivente do massacre disse às autoridades que ele e seus colegas, imigrantes com destino aos EUA, foram extorquidos por uma quadrilha. Os criminosos exigiram dinheiro ou que eles trabalhassem como entregadores de droga e capangas, segundo o diário mexicano "Reforma". Autoridades suspeitam que a quadrilha de traficantes Zetas esteja por trás do massacre.

A chacina chocou o México, que tem visto uma onda de atrocidades cometidas pelos traficantes, e deflagrou um debate nacional sobre a falta de proteção para imigrantes estrangeiros no país, apesar das críticas ao tratamento de mexicanos ilegais nos EUA.

Onze grupos mexicanos de defesa dos direitos humanos divulgaram um comunicado ontem condenando o massacre dos imigrantes e afirmando que "não foi um ato isolado. É um sinal claro de como está crescendo a violência de indivíduos e do Estado mexicano contra imigrantes".

Quase todos os estrangeiros no México provenientes das Américas Central e do Sul estão no país ilegalmente e em trânsito para tentar entrar nos EUA, e não em busca de empregos para se assentar no México. Autoridades mexicanas e americanas dizem que é difícil calcular o número de pessoas nessa situação.

"O México, seu governo e sua sociedade, sofre de um transtorno bipolar nessa questão", escreveu Miguel Ángel Granados Ghapa, colunista do "Reforma", na edição de ontem. "Ficamos feridos e escandalizados pela conduta das instituições americanas e de seu povo contra nossos cidadãos (...). Mas abusos parecidos ou piores ocorrem aqui contra os centro e sul-americanos."

O Instituto Nacional de Imigração do México, agência oficial a cargo do setor, não retornou pedidos de entrevista. O gabinete do presidente Felipe Calderón também não estava disponível para comentar. Calderón, em seu Twitter, expressou profunda tristeza com a tragédia.

Este ano, Calderón e muitos mexicanos reagiram com indignação a uma nova lei no Arizona que permitiu à polícia verificar se alguém passível de "suspeita razoável" está no país ilegalmente. Calderón e outros disseram que a lei é "xenófoba" e pode ser usada para intimidar qualquer um que pareça latino.

Mas grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que o governo do México tem feito pouco para proteger os imigrantes ilegais em seu próprio território. Em março, vários grupos locais denunciaram o governo do país para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos, argumentando que o México está violando sistematicamente os direitos humanos dos imigrantes.

Cerca de 20.000 imigrantes são sequestrados a cada ano no México, segundo um estudo da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México apresentado ano passado. Em pelo menos 200 casos, os sequestros foram cometidos pela polícia local ou por criminosos em conluio com a polícia, afirmou o relatório.

"Em muitos casos, eles são vítimas das autoridades federais ou locais, especialmente das de segurança pública, que os espancam brutalmente, os humilham e os extorquem", diz o relatório, acrescentando que a Justiça mexicana mostrou pouca urgência em julgar esses crimes.

Há sinais de que o México está prestando mais atenção ao problema. Uma autoridade americana baseada na Cidade do México disse que já deu inúmeras aulas para agências federais mexicanas sobre como proteger imigrantes contra grupos criminosos. "Tem havido uma clara mudança na atitude do governo mexicano em relação a essa situação", disse a autoridade.

A viagem da América Central para a fronteira americana "é uma das mais perigosas do mundo", segundo um relatório de abril da ONG Anistia Internacional, chamado "Vítimas Invisíveis: A Marcha dos Imigrantes no México".

Os imigrantes cruzam florestas remotas, dormem ao relento e se equilibram perigosamente no alto de trens para evitar barreiras anti-imigração. Policiais locais, motoristas de táxi e autoridades exigem suborno para deixá-los passar. E eles são alvo de quadrilhas, que variam de criminosos locais a sofisticadas organizações, como a Zetas, quadrilha de traficantes conhecida pela crueldade e formada por desertores do Exército do México.

Pelo menos seis de cada dez mulheres sofrem violência sexual durante a jornada, segundo a Anistia Internacional. Os estupros são tão comuns que alguns guias mexicanos começaram a distribuir preservativos para as mulheres, para que elas possam pedir a seus agressores que os usem, segundo Oscar Martínez, jornalista de El Salvador que passou um ano viajando com imigrantes centro-americanos pelo México e escreveu um livro.

O México prendeu e deportou 64 mil trabalhadores ilegais ano passado, a grande maioria das Américas Central e do Sul, segundo o Instituto Nacional de Migração. Muitos dos detidos são mantidos em prisões superlotadas, nas quais são obrigados a dormir no chão, e sem atendimento médico.

Os imigrantes raramente denunciam os crimes, por temor de que o contato com as autoridades mexicanas faça com que sejam deportados. Defensores dos direitos humanos dizem que o México concedeu pouquíssimos vistos humanitários no ano passado para as supostas vítimas dos crimes ficarem no país e colaborarem no julgamento de seus agressores.