Título: Promessas difíceis de cumprir na política fiscal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2010, Opinião, p. A10
Apesar da recuperação da economia e consequente aumento da arrecadação, as contas públicas não vêm apresentando a melhora prometida para este ano. O Banco Central (BC) divulgou, ontem, o resultado da política fiscal de julho e, não fosse o desempenho das estatais, os números teriam sido dramáticos. O superávit primário consolidado, que inclui as contas da União, Estados, municípios e estatais, excluindo as despesas com juros, ficou em R$ 2,454 bilhões. Desse total, 45,6% vieram das estatais e 25% do governo central (Banco Central, INSS e Tesouro).
Mas o que importa é a perspectiva de prazo mais longo. No acumulado de doze meses, o superávit primário foi de R$ 68,642 bilhões, equivalente a 2,03% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente igual aos 2,06% de 2009. O resultado nominal, que inclui as despesas com juros, registrou um déficit em doze meses de R$ 113,5 bilhões, equivalente a 3,36% do PIB, também próximo dos 3,34% de 2009.
Já a dívida líquida do setor público teve uma redução, ficou em R$ 1,406 trilhão, ou 41,7% do PIB, abaixo dos 43% de 2009; e a dívida bruta do setor público também recuou para 60,1% do PIB em comparação com 63% no ano passado. Essas duas contas foram afetadas positivamente pelo superávit primário, pelo crescimento da economia, que aumentou o PIB, pela desvalorização cambial e pela privatização. Mas influenciaram negativamente a alta dos juros e dos títulos vinculados a índices de preço e o ajuste da cesta de moedas da dívida externa líquida.
As despesas do governo central cresceram mais do que as receitas, em comparação com igual período de 2009, 17,8% e 16,4%. Um ponto positivo é que a expansão das despesas pode ser atribuída principalmente aos gastos com custeio e capital, que incluem investimentos.
Mas os números ainda estão muito parecidos com o registrado em 2009, quando não foi fácil administrar as contas públicas, em meio à turbulência internacional. Os estímulos fiscais e a retração dos negócios reduziram a arrecadação. Ao mesmo tempo, as despesas continuaram crescendo. Enquanto as despesas aumentaram 15%, as receitas cresceram só 4,8%.
Com isso, as contas públicas se deterioraram. Ao final do ano, o resultado primário foi de R$ 64,5 bilhões, equivalente a 2,06% do PIB, o pior desde 2001. Para atingir a meta de 3,3% prometida pelo governo foi necessário lançar mão da prerrogativa legal de descontar os investimentos realizados e ainda engrossar as receitas com dividendos das estatais e transferências de depósitos judiciais.
O resultado nominal, que inclui as despesas com juros, ficou deficitário em R$ 104,6 bilhões, o equivalente a 3,34% do PIB, também inferior ao de 2008, quando o déficit ficou em 1,9% do PIB. Com isso, a dívida líquida do setor público subiu para 43% do PIB em comparação com 37,3% de 2008. Já a dívida bruta do setor público ficou em 63%.
Ao anunciar os resultados de 2009, o Banco Central manifestou a confiança de apresentar um resultado fiscal melhor neste ano. A promessa é fazer um superávit primário nas contas públicas de 3,3% do PIB sem artifícios legais; reduzir o déficit nominal para 1% do PIB e conter a dívida líquida do setor público em 40% do PIB. Mas os números de julho não sustentam tanto otimismo.
Promessas é que não faltam quando se fala de política fiscal. Em meados do primeiro mandato do governo Lula, em 2005, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, queria zerar o déficit nominal. Isso significaria que as receitas arrecadadas pela União, Estados, municípios e estatais seriam suficientes para pagar todas as despesas e encargos de juros da dívida pública no ano. A ministra da Casa Civil e atual candidata do PT à presidência da República, Dilma Rousseff, chamou o projeto de Palocci de "rudimentar", criando um mal-estar que só foi amenizado com a interferência do presidente Lula. O sucessor de Palocci, o ministro Guido Mantega, chegou a prometer que o déficit nominal seria zerado entre 2009 e 2010. A crise internacional jogou por terra seus projetos, adiados para 2012. Agora, porém, o boletim do Ministério da Fazenda, "Economia Brasileira em Perspectiva", divulgado neste mês, adiou a promessa para 2014, justificando que não contava com as recentes altas do juro.
Em sua campanha presidencial, Dilma, que tem Palocci como um dos seus principais assessores, já falou em manter o superávit primário em 3,3% do PIB, o que traria a dívida líquida do setor público para 30% do PIB em alguns anos. Resta esperar para ver. O país demanda investimentos e não há espaço para aumentar a carga tributária.