Título: A banda H e a competição na telefonia móvel
Autor: Carrasco, Vinicius
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2010, Opinião, p. A10

O procedimento para a outorga da banda H, a última faixa de radiofrequência disponível para prover serviço de telefonia móvel de terceira geração (3G) para todo o país, está em discussão na Anatel. O aspecto mais polêmico na proposta original é que ela impede a participação das quatro empresas que hoje detêm licenças com cobertura nacional (Vivo, Claro, Oi e Tim), para garantir a entrada de mais um participante de grande porte. Se, por um lado, esse impedimento pode ampliar o número de competidores no mercado, por outro, ele restringirá drasticamente a competição no leilão. Muitos observadores preveem que uma única empresa entraria no leilão.

Da perspectiva da defesa da concorrência, parece haver um dilema: devemos nos preocupar mais com a livre participação no leilão ou sacrificá-la em prol de um aumento da competição no mercado de telefonia móvel propriamente dito?

Para investigar se a entrada de uma quinta operadora de fato precisa ser estimulada, é preciso avaliar quão competitivo é o mercado brasileiro atualmente. Os operadores argumentam que se trata de um mercado já competitivo, e que a concentração relativamente alta é devida à presença de economias de escala e externalidades de rede inerentes à indústria.

De fato, em comparação com o mercado de telefonia móvel em outros países, o mercado brasileiro é pouco concentrado, perdendo apenas para quatro países (Estados Unidos, Reino Unido, Índia e Paquistão). Além disso, iniciativas regulatórias como a portabilidade numérica estimulam a competição, ao permitir que clientes de telefonia móvel tenham mais liberdade para migrar entre operadoras.

No entanto, é preciso sempre lembrar que o verdadeiro objetivo da defesa da concorrência não é simplesmente reduzir concentração, mas sim fazer que mercados funcionem bem e forneçam ao consumidor produtos e serviços de qualidade a preços baixos. Infelizmente, o preço da telefonia móvel no Brasil ainda é alto: um plano mensal de 450 minutos nos EUA e no Reino Unido, por exemplo, custam o equivalente a R$ 70 por mês, e R$ 180 aqui.

Há muitas distorções por trás desse diferencial. A carga tributária sobre telefonia móvel, de cerca de 40%, é substancialmente maior do que em outros países. O preço do plano mensal mascara também diversos subsídios cruzados entre serviços (para cobrir os descontos nos aparelhos oferecidos para atrair novos clientes) e entre consumidores (como no plano geral de outorgas se requer que concessionárias em setores de mais de uma região tenham "atuação obrigatória nas demais regiões", as empresas têm que compensar as despesas em regiões distantes com preços mais altos em todo o país).

Se o diferencial de preço não prova que há falta de competição no setor, ele certamente indica que há muito a ser melhorado nesse mercado. Não nos parece claro que a entrada de uma nova operadora necessariamente trará uma melhora. Outras iniciativas do governo, como por exemplo uma redução da carga tributária, podem ser muito mais eficazes.

No que tange ao leilão, a proibição da participação dos operadores já estabelecidos será claramente muito custosa. É consenso entre especialistas em desenho de regras de leilões que restringir a participação prejudica tanto a receita esperada quanto a eficiência econômica, que são os dois principais critérios para avaliar um leilão. A receita esperada cai não apenas porque a empresa disposta a pagar mais pode ficar de fora, mas também por que, com menos disputa, as empresas participantes podem arriscar fazer lances mais baixos. Cai também a eficiência econômica, já que num leilão de participação limitada o vencedor possivelmente não será aquele que usará a licença de forma mais eficaz.

Em nossa avaliação, portanto, restringir a participação parece ser uma iniciativa com um custo claro e um benefício duvidoso. Mesmo que se discorde dessa avaliação e se julgue que a entrada de um novo competidor é tão socialmente desejável que estejamos dispostos a interferir no funcionamento do leilão para estimulá-la, o impedimento proposto não é o único, e está longe de ser o melhor meio de fazê-lo. Poder-se-ia exigir que um operador, para vencer, tivesse que pagar um valor igual ou superior à oferta do novo competidor mais um montante pré-definido. Um leilão assim seria desigual, mas ainda assim a vantagem dada ao novato seria menor do que a dada implicitamente ao restringir a participação.

Idealmente o montante adicional exigido do operador deveria equivaler à diminuição do excedente social advindo do fato que sua vitória reduziria competição. Se além disso o governo optasse por compensar o aumento da arrecadação reduzindo a carga tributária no setor, poderíamos preservar eficiência - selecionando sempre a firma mais capaz - e ter o benefício da competição para o consumidor - preços de telefonia mais baixos - mesmo quando a entrada não ocorrer.

Vale também observar que mesmo num leilão desigual os operadores deverão estar dispostos a participar e a fazer lances altos. Primeiro porque, por razões de escala, tende a ser mais barato explorar a nova banda de radiofrequência por quem já tem uma base instalada. Segundo porque, se de fato o aumento de competição for substancial, os operadores vão preferir pagar para evitar a entrada, já que mais competição levaria a uma diluição de seus lucros. Curiosamente, a mesma premissa usada para restringir a participação dos operadores leva também à conclusão que essa restrição custará caro para o Tesouro Nacional.

A experiência internacional mostra que governos podem obter recursos substanciais em leilões de radiofrequência sem abrir mão de promover competição na indústria, mas também que esse sucesso depende de usar procedimentos informados pela teoria econômica de leilões. Em 2000, um leilão de radiofrequência rendeu, no Reino Unido, 39 bilhões; em 2008, arrecadou-se US$ 19 bilhões nos EUA, e, em maio último, a Índia obteve US$ 16 bilhões. O Brasil opta por um desenho próprio. Em 2007, o leilão de radiofrequência no Brasil arrecadou R$ 5,3 bilhões. Com menos competição para este ano, as perspectivas de receita são ainda menos entusiasmantes.

Vinicius Carrasco e Leonardo Rezende são PhDs em Economia por Stanford e professores do Departamento de Economia da PUC-Rio.