Título: Mercado espera Selic estável em 2010, mas tem dúvidas sobre 2011
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2010, Finanças, p. C10

O Copom deve interromper o ciclo de aperto monetário na reunião que termina no dia 1º de setembro, segundo a previsão de 26 dos 30 analistas consultados pelo Valor.

Embora essa expectativa já esteja contemplada no mercado, inclusive nos contratos futuros de juros, a decisão deve representar uma mudança em relação às anteriores. Isso porque, na avaliação dos especialistas, o Copom estará voltado basicamente para o cenário internacional, e não para a evolução da atividade doméstica.

"No cenário interno, não há indicação clara de desaceleração da economia", afirma o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luiz Otávio de Souza Leal, para quem os argumentos para a pausa no ciclo de aperto monetário vem de fora. "Essa atitude mostra que o BC pode estar menos avesso ao risco do que em outros momentos."

O resultado do desemprego de julho, de 6,9%, segundo divulgou ontem o IBGE, só reforçou a tese de que a economia brasileira segue exibindo vigor. E que a massa salarial deve sustentar um crescimento ainda expressivo nos próximos meses, mesmo que a uma taxa mais branda do que a observada nos primeiros meses do ano. Mas, por causa das perspectivas negativas do cenário internacional, essa força da atividade doméstica não deve levar a uma inflação acima da meta. E é por isso que analistas acreditam que o Copom deve parar de subir a Selic na semana que vem, e manterá a taxa inalterada até o final do ano. A dúvida é o que virá depois, em 2011.

"A inflação corrente está tranquila, mas extrapolar esse cenário para o futuro traz hesitação", afirma Marcelo Carvalho, economista-chefe para América Latina, do BNP Paribas. Ele diz que, em setembro, a inflação deve avançar e que os principais determinantes do consumo também seguem firmes. "O crédito para pessoa física avança, os spreads caem pela concorrência bancária, os prazos das operações continuam aumentando. O mercado de trabalho vai bem e a confiança do consumidor está em pico histórico. Esses elementos são importantes", observa. Ele lembra que, por causa desses fatores, a pesquisa Focus já indica alta da Selic para o ano que vem.

Sérgio Vale, da MB Associados, considera razoável esperar um ciclo de alta em 2011 porque vê chance de reversão da inflação no segundo semestre, principalmente por conta de alimentação e demanda mais aquecida. Ele vê ainda o PIB crescendo acima do potencial, assim permanecendo nos próximos trimestres.

Já o Bradesco acredita que a Selic permanecerá estável até 2011, quando "a inflação doméstica dialogará com a desinflação global", afirma o diretor do departamento econômico, Octávio de Barros. Ele também vislumbra crescimento do PIB brasileiro um pouco abaixo do potencial nos próximos trimestres e em torno do desvio-padrão do potencial em 2011. "Além disso, é contra-intuitivo imaginar que, qualquer que seja o governo eleito, ele não faria um esforço fiscal significativo em 2011 que é o único momento em que se pode fazer algo relevante no lado fiscal", afirma. "Um bom resultado fiscal em 2011 aponta para juros estáveis ou, em um cenário hipótese mais remoto, em ligeira queda ao final de 2011."

O trader de renda fixa do banco Modal, Luiz Eduardo Portella, também acredita que o BC está contando com a "importação da deflação do mundo" para interromper o ciclo de aperto monetário. E, com isso, está assumindo mais riscos. Por isso, o especialista acredita que é muito difícil prever hoje o que vai ocorrer em 2011. "Há algumas semanas, eu estava convencido de que o BC teria de voltar a subir a Selic no ano que vem. Mas, agora, olhando para a economia americana, não tenho mais essa certeza", diz. "O Copom está optando por uma parada técnica, com mais riscos. Mas, se perceber que errou, terá até o final do ano para corrigir o rumo", conclui.

Porém ainda há entre os economistas consultados alguns que acreditam que o Copom terá de subir os juros mais uma vez na semana que vem. É o caso de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que espera mais uma alta de 0,25 ponto - a última deste ano. Ele espera, porém, que no início do novo governo, a Selic avance cerca de 1 ponto, retomando a baixa no fim de 2011 e continuando a cair em janeiro de 2012. "O ciclo de baixa se avizinha, mas precedido de um ajuste de alta. Entendo que essa trajetória só será revista se o Fed voltar a comprar ativos ", afirma.

Muitos analistas consideram, ao traçar seus cenários de médio prazo, que existe alguma mudança no perfil do atual Banco Central. Souza Leal, do ABC Brasil, observa que não era comum ao BC tomar uma decisão tão focada no ambiente internacional como deve acontecer na próxima semana. "Mas isso acontece porque a crise de 2008 rompeu um paradigma: o de que as crises internacionais pressionam o câmbio e trazem inflação de volta", explica. "Isso não acontece mais, o que pode abrir espaço para o BC testar um novo nível de juro real neutro, perto de 6%, e não mais ao redor de 7%, como se estimava anteriormente", diz.

Olhando para o médio prazo, Marcelo Carvalho, do BNP Paribas, pondera que a expectativa consensual do mercado é de que o atual presidente do BC [Henrique Meirelles] não permanecerá no cargo no futuro governo. Ele observa que, como o BC talvez tenha um novo presidente e uma nova diretoria. "Há dúvida sobre o perfil desse novo comando, sobre em que ambiente o BC atuará, se haverá ou não aperto fiscal no primeiro ano do novo governo e qual será a postura dos bancos públicos que exercem um papel parafiscal no Brasil. E, ainda, se esse novo BC vai procurar trazer a inflação para a meta em prazos mais dilatado", afirma.