Título: Crescimento ajuda menos a trajetória da dívida
Autor: Maia, Samantha; Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2010, Brasil, p. A6

de São Paulo

Um fantasma muito presente nos rumos da política econômica perdeu a urgência que tinha desde a instituição do Plano Real. Depois que a crise mundial interrompeu a queda do endividamento público como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, revertendo um processo iniciado em 2003, a dívida líquida do setor público deve encerrar o ano em torno de 40% do PIB, o resultado mais baixo em 12 anos - exceção feita aos 38,4% de 2008, patamar contagiado pelos efeitos da crise mundial que explodiu em setembro daquele ano.

Importante por demonstrar as necessidades de financiamento de um país, a relação entre dívida líquida e PIB está no centro dos debates econômicos nos países ricos desde o ano passado. Para fazer frente à recessão, governantes mundiais expandiram os gastos públicos e a estatização de instituições financeiras com problemas, o que ampliou o endividamento do setor público mundo à fora, ao mesmo tempo em que o PIB perdia força. A relação entre dívida e PIB chega a beirar os 200%, como no caso do Japão. No Brasil, por outro lado, o endividamento público se elevou em 2009, quando o PIB registrou retração de 0,2%, mas desde o início de 2010 aponta para recuperação acelerada.

O forte crescimento esperado para o PIB deste ano, contudo, trará uma ajuda à redução da dívida como proporção do tamanho da economia menor que o registrado em outros anos de forte crescimento da atividade. Em 2004, a proporção caiu 4,3 pontos em relação a 2003, enquanto entre 2007 e 2008 essa queda chegou a 6,7 pontos. Agora, o recuo com relação a 2009 ficará pouco acima de dois pontos.

A forte aceleração do PIB, que sai do terreno negativo para um dos dados mais fortes da economia mundial em apenas um ano, não derruba mais a relação entre dívida e PIB porque parte relevante do endividamento público - quase 80% - é balizado pela Selic, que hoje está fixada em 10,75% ao ano.

Há também, como destaca Fernando Rocha, economista da JGP Gestão de Recursos, "a condição de credor externo adquirida pelo país nos últimos anos, que permite que mesmo um repique cambial seja positivo para nosso endividamento". O economista se refere ao processo iniciado em 2005, quando o país quitou suas dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Clube de Paris. Ao mesmo tempo, o Banco Central iniciava a compra agressiva de dólares para formar reservas internacionais, que estavam em US$ 53,8 bilhões naquele ano e hoje já superam US$ 251 bilhões - um incremento nominal de 78,5% em cinco anos.

"A forte desvalorização que o câmbio teve no fim de 2008, quando estourou a crise, foi benéfica para o endividamento, um fato inédito, que nos deixa em boa posição para eventuais choques cambiais", diz Rocha. A relação dívida/PIB oscilava em torno de 43% ao longo de 2008, antes de despencar a 38,4% apenas três meses, após a explosão das turbulências mundiais. "Então, se ocorrer um problema externo no médio prazo que desvalorize o câmbio, a dívida deve cair mais rápido ainda", avalia o economista. Em 2002, quando o dólar saltou dos R$ 2,80 de janeiro para R$ 3,99 em setembro, a dívida líquida do setor público saltou onze pontos percentuais, chegando a atingir 63,1% em setembro.

"A crise global terminou por tornar-nos uma beleza", avalia Fernando Montero, economista-chefe da Convenção. Para ele, o avanço do denominador desta relação - o PIB - acaba por "absorver" erros que são feitos na condução do numerador - a dívida pública. "O problema fiscal é que o fiscal não é mais problema, uma vez que a relação dívida/PIB não preocupa", afirma.

As cerca de cem instituições financeiras ouvidas pelo Banco Central por meio do boletim Focus avaliam que a dívida pública fechará o ano equivalendo 40,7% do PIB, a previsão mais otimista desde o início de 2010, quando o mercado chegou a estimar essa relação em 43%. Diante do resultado aquecido da economia no primeiro trimestre - que levou as previsões de PIB para algo entre 6,5% e 7,5% de alta - a dívida foi diminuindo seu espaço.

"Para voltar a subir e se constituir num problema, a dívida pública teria que crescer de maneira muito forte, algo que não está colocado para os próximos três ou quatro anos", avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator. "Em 2009, o PIB ficou zerado, o que permitiu um leve avanço do endividamento. Agora, com alta de 7% e no próximo ano de 4% ou 4,5%, fica muito difícil imaginar que a dívida vá se elevar", diz o economista.